As cenas de tragédias humanitárias na fronteira setentrional brasileira são de doer. Agora, por exemplo, centenas de venezuelanos se aglomeram na fronteira com a Colômbia (fechada por determinação do presidente Nicolás Maduro) para tentar sair da Venezuela, em meio à crise política e econômica que abala o país.
"Queremos passar! Queremos passar!" - gritava uma multidão diante dos militares que protegem a ponte internacional Simón Bolívar, que une San Antonio del Táchira à cidade colombiana de Cúcuta.
- Estamos sofrendo, estamos com fome, não temos remédios, não temos nada, nada. E agora, com isto do dinheiro, nem comida podemos comprar - disse Carmen Rodríguez, em referência à retirada das notas de 100 bolívares de circulação ordenada por Maduro para combater as "máfias" do contrabando.
Carmen Rodríguez, que tem dupla nacionalidade (colombiana e venezuelana) denunciou que as autoridades da Venezuela a obrigaram a renunciar à nacionalidade venezuelana e a matricular suas três netas em colégios da Colômbia para poder sair do país, e mesmo assim foi impedida.
Blanca Rivera, 30 anos, queria ir a Cúcuta para passar o Natal com a família. E gritava, de acordo com a agência de notícias AFP, "não nos deixem aqui, por favor. Temos fome, não fomos ao banheiro. Por favor, por favor".
Triste demais!
Maduro ampliou em 72 horas o fechamento das fronteiras com Colômbia e Brasil, em uma medida iniciada na segunda-feira como parte da retirada das notas de 100 bolívares de circulação para combater o contrabando.
Mas não só nas fronteiras os problemas aparecem. A abrupta retirada do mercado da cédula de 100 bolívares (a de maior valor na Venezuela) e o atraso na circulação de novas moedas e notas geraram protestos e saques em várias cidades. Em Maracaibo, segunda maior cidade, grupos jogaram pedras em policiais. E, em Maturín, a capital de Monagas, dezenas de pessoas foram às ruas e bloquearam uma das principais avenidas da cidade. Houve enfrentamentos de diversos tipos, feridos e até mortes. O momento é de convulsão.
A Venezuela vive uma crise socioeconômica com 80% de desabastecimento dos produtos da cesta básica (remédios e alimentos), mais que 400% de inflação anual, índice de homicídios comparável ao de países em guerra, cerca de cem presos políticos, ruptura institucional, filas de sete horas sob o sol caribenho para conseguir, com sorte, comprar a farinha da arepa diária... e assim vai...
A retirada em apenas três dias da nota de 100 bolívares (equivalente a 0,15 dólar), a de maior valor em circulação no país, foi ordenada por Maduro sob a alegação de que quadrilhas baseadas sobretudo na Colômbia estariam estocando as cédulas para "desestabilizar a economia do país". Embora o presidente tenha anunciado que a saída de circulação das notas coincidiria com a progressiva entrada de novas cédulas de maior valor, não há sinal das primeiras notas de 500 e 5.000 bolívares, a primeiras prometidas (depois, haveria as de 1.000, 2.000 e 10.000 bolívares). Maduro atribuiu os saques a "grupos de vândalos" e deputados da oposição. Teremos, pela frente, mais uma leva de presos político.
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Enquanto isso, há o impasse no Mercosul. Maduro chamou o presidente argentino, Mauricio Macri, de "ladrão e covarde", ao acusá-lo de mandar "agredir" a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, na quarta-feira passada.
- O covarde do Macri mandou agredi-la. Covarde, você é covarde, Macri, não se meta com as mulheres. Macri, covarde, oligarca, ladrão - disse Maduro durante a cerimônia de formatura de médicos em Caracas, ao lado da chanceler.
Vejam bem... "cxovarde", "oligarca", "ladrão". Quanta diplomacia...
Maduro condecorou Delcy com a "ordem de libertadores e libertadoras da Venezuela", por sua "valentia e patriotismo".
- A Argentina se encarregará de você e lhe secará, como seca todos os que se metem com os filhos de Bolívar e de Chávez, covarde - declarou Maduro.
O presidente avaliou que, se a chanceler argentina fosse agredida pelos corpos de segurança da Venezuela, haveria "um escândalo na CNN e em todos os meios da oligarquia, o Clarín em Buenos Aires, o La Nación". Mas, "como a agredida é a chanceler da Venezuela, ficam em silêncio, cúmplices, covardes".
Na quarta-feira, Rodríguez foi a Buenos Aires para tentar participar de uma reunião (a qual não foi convidada) de chanceleres dos sócios fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) após a suspensão da Venezuela do bloco. A diplomata, impedida de participar da reunião, afirma que foi agredida ao entrar na sede da chancelaria argentina. Na quinta-feira, o número dois do governo chavista, Diosdado Cabello, já havia chamado Macri de "covarde" por impedir a participação de Rodríguez na reunião do Mercosul.
Nesta sexta, Macri qualificou a declaração de Cabello de "piada sem importância diante do que sofrem os venezuelanos" e afirmou que "covarde é submeter um povo pela força e impedi-lo de se manifestar". Acrescentou que "isto não pode ser levado a sério, começando porque alguém (Delcy Rodríguez) não pode se convidar para uma reunião à qual não foi chamado". "Triste é a pobreza, o abandono, a falta de garantias sobre os mínimos direitos humanos da população que hoje a Venezuela está sofrendo", declarou Macri. "Acredito na necessidade de que os venezuelanos possam decidir sobre seu futuro". O governo da Venezuela "ignora os pedidos dos venezuelanos e de todo o mundo".