Não bastassem filas por vezes superiores a sete horas sob o sol caribenho para comprar um quilo de farinha ou outros produtos básicos em mercados desabastecidos, os venezuelanos se veem agora em apuros pela retirada de circulação da sua moeda de maior valor. Na segunda-feira, o presidente Nicolás Maduro procurou atenuar o drama: prorrogou até 2 de janeiro a vigência da nota de 100 bolívares (com isso, amplia o prazo para elas serem trocadas). Maduro culpa grupos paramilitares ligados à oposição e aos Estados Unidos pelo atraso na chegada das notas maiores (de até 20 mil bolívares) e chegou a dizer que os aviões nos quais viriam as cédulas sofreram "sabotagem". Nesta quarta-feira, para conter a onda de protestos e saques, o presidente venezuelano também começou a reabrir a fronteira com a Colômbia.
O fato é que milhares de venezuelanos estão impedidos de receber seus salários, pagos quinzenalmente, em razão da falta de notas nos bancos. Falta dinheiro, faltam alimentos e faltam medicamentos na Venezuela.
A Venezuela vive uma crise socioeconômica com 80% de desabastecimento dos produtos da cesta básica (remédios e alimentos), mais que 400% de inflação anual, índice de homicídios comparável ao de países em guerra, cerca de cem presos políticos, ruptura institucional e as filas que dão voltas em quarteirões.
A retirada em apenas três dias da nota de 100 bolívares (equivalente a 0,15 dólar), a de maior valor em circulação no país, foi ordenada por Maduro sob a alegação de que quadrilhas baseadas sobretudo na Colômbia estariam estocando as cédulas para "desestabilizar a economia do país" – seria uma "guerra econômica" travada por "máfias" ligadas ao "império", costuma dizer Maduro. Embora o presidente tenha anunciado que a saída de circulação das notas coincidiria com a progressiva entrada de novas cédulas de maior valor, não chegaram as notas de 500 e 5 mil bolívares, a primeiras prometidas (depois, haveria as de mil, 2 mil e 10 mil bolívares). Maduro atribuiu os saques a "grupos de vândalos" e deputados da oposição.
O economista Antônio Correa de Lacerda diz que a única explicação é a de realmente o governo está tirando o dinheiro daquilo que define como "máfias" incluindo a do narcotráfico. Diz que é comum ocorrer medidas assim. E pondera que, sim, o venezuelanos com isso veem agravada sua situação.
Em seu programa na emissora de TV estatal "Em contato com Maduro", o presidente venezuelano afirmou que há bancos nacionais envolvidos e que a "operadora" que dirigiu o plano contra o papel-moeda da Venezuela é uma ONG "contratada pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos". De acordo com Maduro, uma investigação indicou que há armazéns, não só em várias cidades da Colômbia, mas também no Brasil, na Alemanha, na República Tcheca e na Ucrânia, onde as máfias estariam acumulando as cédulas venezuelanas.
– Calcula-se que mais de 300 bilhões de bolívares estejam em poder das máfias internacionais dirigidas na Colômbia, como parte do golpe econômico – disse o presidente venezuelano, acrescentando que, há dois anos, constatou-se que nas cidades fronteiriças colombianas de Cúcuta e Maicao existe "um centro permanente de ataque à moeda venezuelana" e que o objetivo seria de desestabilização econômica.
Os protestos se avolumam em todo o país e, muito em especial, nas fronteiras com o Brasil e a Colômbia. Há enfrentamentos e já foram presas 300 pessoas. Maduro critica os manifestantes, dizendo que são integrantes dos partidos de oposição, a quem acusa de serem "mafiosos" e ligados ao "império americano".
Outras especulações a respeito das reais intenções de Maduro dizem que, ao tirar de circulação as notas de 100 bolívares, ele procura limitar ainda mais o consumo, detendo a inflação e a valorização do dólar no mercado paralelo – chegou a 60% no último mês. As notas de 100 bolívares, apesar de valerem algo como apenas US$ 0,15, são 48% do dinheiro em espécie que circula na economia local. E um fenômeno vinha ocorrendo na Venezuela: um site chamado Dólar Today, calcula com quantos bolívares é possível comprar um peso na Colômbia e depois, com esses pesos, quanto dólares podem ser adquiridos. Esse indicador passou a estabelecer os custos da reposição dos comércios no país.
– Maduro erra muito. A medida foi estabelecida de improviso e é errática, sem levar em conta suas consequências – critica o historiador Carlos Malamud, dizendo que todo o resultado do que está ocorrendo será sempre atribuído a uma conspiração internacional, o que tira a responsabilidade do governo.
E acrescenta, salientando que a prorrogação até 2 de janeiro se deve à necessidade de evitar uma revolta social que saia totalmente de controle, uma vez que se aproximam as festa de fim de ano:
– Não estamos apenas frente a um problema de falta de ferramentas teóricas e metodológicas para enfrentar a realidade, mas também da falta de sensibilidade do governo frente ao sofrimento cotidiano da população. Ao retirar de circulação os bilhetes de 100 bolívares, Maduro desencadeia um incêndio social.