É, não tinha como a Venezuela presidir o Mercosul.
Na verdade, não tem condições de continuar sócia.
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, os quatro países fundadores do bloc, chegaram a um acordo que impede a nação caribenha de assumir a presidência pro tempore de seis meses. O grupo decidiu que conduzirá de forma conjunta a liderança do organismo sul-americano. Depois disso, assume a Argentina.
Por ordem alfabética, a Venezuela deveria ter assumido a presidência rotativa do grupo em julho passado, sucedendo ao Uruguai. Mas Brasil, Paraguai e Argentina se opuseram, devido à situação política e econômica que o país enfrenta. Diante do impasse, a Venezuela se autoproclamou à frente do bloco após o Uruguai entregar a presidência. A crise ocorre em um momento delicado para o Mercosul, que relançou as negociações de um tratado de livre comércio com a União Europeia (UE) – rejeitado pelo governo venezuelano.
Os países fundadores também ameaçam suspender a Venezuela se, até 1º de dezembro, não se adequar às normas e acordos vigentes no Mercosul. A decisão foi tomada "em razão do descumprimento, pela Venezuela, dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão ao Mercosul, assinado em Caracas em 2006, especificamente no que se refere à incorporação ao ordenamento jurídico venezuelano de normas e acordos".
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Na prática, a Venezuela nem finalizou sua adesão ao Mercosul, iniciada em 2012. Para concluir o ingresso, o país deveria ter cumprido diversas exigências. Exemplos: acordo de Complementação Econômica nº 18, que convenciona um programa de liberação comercial conjunto; Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul, que estabelece que nos países do bloco deve haver "a plena vigência das instituições democráticas e o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais; acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul (2002), que estabelece que os habitantes de um país membro podem obter residência legal em outro país membro do bloco.
Nota 337, emitida pelo Itamaraty:
"Os Chanceleres dos quatro países fundadores do MERCOSUL – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – aprovaram, neste 13 de setembro de 2016, "Declaração Relativa ao Funcionamento do MERCOSUL e ao Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela".
A Declaração foi adotada em razão do descumprimento, pela Venezuela, dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão ao MERCOSUL, assinado em Caracas em 2006, especificamente no que se refere à incorporação ao ordenamento jurídico venezuelano de normas e acordos vigentes no MERCOSUL.
O prazo para que a Venezuela cumprisse com essa obrigação encerrou-se em 12 de agosto de 2016 e entre os importantes acordos e normas que não foram incorporados ao ordenamento jurídico venezuelano estão o Acordo de Complementação Econômica nº 18 (1991), o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do MERCOSUL (2005) e o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL (2002).
A Declaração estabelece que a presidência do MERCOSUL no corrente semestre não passa à Venezuela, mas será exercida por meio da coordenação entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que poderão definir cursos de ação e adotar as decisões necessárias em matéria econômico-comercial e em outros temas essenciais para o funcionamento do MERCOSUL. O mesmo ocorrerá nas negociações comerciais com terceiros países ou blocos de países.
Em 1º de dezembro de 2016, a persistir o descumprimento de obrigações, a Venezuela será suspensa do MERCOSUL.
A Declaração foi adotada no espírito de preservação e fortalecimento do MERCOSUL, de modo a assegurar que não haja solução de continuidade no funcionamento dos órgãos e mecanismos de integração, cooperação e coordenação do bloco."
Oposição venezuelana festeja
A oposição venezuelana celebrou como uma derrota do governo de Nicolás Maduro a decisão dos sócios do Mercosul de impedir o país de exercer a presidência rotativa do bloco regional. Maduro "foi derrotado pelo Mercosul, a comunidade internacional hoje está clara sobre a realidade (da Venezuela), onde se violam os direitos humanos e não há democracia", disse nesta quarta-feira Luis Florido, presidente da comissão de Política Externa do Parlamento, de maioria opositora. Os fundadores do Mercosul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - assumiram de forma colegiada a presidência do grupo no atual semestre, em vez de transmiti-la à Venezuela. Além disso, convocaram Caracas a cumprir com "suas obrigações" econômicas e de outras índoles até 1º de dezembro, sob pena de ser suspensa do bloco regional.
Florido disse que a declaração obriga Maduro a libertar os presos políticos e permitir a realização neste ano do referendo revogatório que a oposição impulsiona contra ele. Ao mesmo tempo, considerou que a sanção lança por terra a Cúpula de Países Não-Alinhados, que começou na terça-feira em Isla Margarita (Venezuela), com a qual, segundo ele, o presidente busca arrumar as coisas ante o mundo para esconder que seu governo é uma "ditadura".
Maduro contesta
O governo da Venezuela condenou a decisão que pode levar à sua suspensão nio Mercosul. "Tentar destruir o Mercosul via artifícios ilegais é um reflexo da política intolerante e o desespero dos burocratas", disse a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, em publicação no Twitter.
Os demais países do Mercosul trabalham com a certeza de que a Venezuela, mergulhada em uma crise de proporções inéditas, não poderá incorporar à sua legislação interna todas as regras impostas aos membros do bloco. Se essa expectativa se comprovar na prática, a marginalização de Caracas será completa.
Detalhe curioso sobre a decisão que, na prática, foi unânime: Argentina, Brasil e Paraguai votaram a favor de uma presidência colegiada, mas o Uruguai preferiu se abster. Acontece que, de acordo com os costumes diplomáticos, o consenso se dá também quando há uma abstenção, em vez de um voto contrário.