Hoje é o esperado dia em que a Colômbia celebrará a paz. Com uma cerimônia solene, será assinado, na cidade de Cartagena, o histórico acordo de paz com a guerrilha das Farc, para acabar com um conflito de mais de meio século. O presidente Juan Manuel Santos e o principal líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Rodrigo Londoño, mais conhecido por seus nomes de guerra Timoleón Jiménez e Timochenko, assinarão o pacto anunciado em 24 de agosto, após quase quatro anos de negociações em Cuba.
"Daqui abriremos a porta do amanhã! A Colômbia cheia de esperança está pronta para para a assinatura do #AcordoDePaz e construirá um novo país", escreveu há pouco, no Twitter, o presidente colombiano, horas antes da cerimônia, prevista para as 17h locais (19h de Brasília) no Pátio das Bandeiras do centro de convenções de "La Heroica", como é conhecida esta cidade, considerada patrimônio da humanidade. Quase 2.500 pessoas vestidas de branco de acordo com o protocolo, incluindo líderes mundiais e 250 vítimas do conflito, acompanharão os discursos daqueles que, inimigos por décadas, conseguiram o que parecia impossível: acabar com a violência fratricida entre guerrilhas, paramilitares e agentes do Estado que deixou 260 mil mortos, 45 mil desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados em 52 anos.
A cerimônia, que deve durar 70 minutos e será transmitida ao vivo pela televisão, terá a presença de 15 chefes de Estado, entre eles o cubano Raúl Castro, anfitrião das conversações de paz, que também foram mediadas por Noruega, Venezuela e Chile. O brasileiro Michel Temer, num gesto polêmico, não representará a principal economia sul-americana, que na última década vinha se destacando pelo protagonismo diplomático (leia neste link).
Outras presenças ilustres confirmadas incluem o rei emérito da Espanha, Juan Carlos, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o chefe da diplomacia americana, John Kerry, e vários representantes de organismos internacionais.
- A Colômbia é uma luz para o mundo - destacou a chanceler María Ángela Holguín ao agradecer o apoio da comunidade internacional ao processo de paz.
O acordo de paz, um texto de 297 páginas que essencialmente busca mudar "balas por votos", promovendo o desarmamento da guerrilha e sua transição para a vida política legal, será assinado com um "balígrafo", um bolígrafo (caneta esferográfica) construído com balas do conflito armado.
"As balas escreveram nosso passado. A educação, nosso futuro", afirma uma inscrição na caneta. Os visitantes receberão uma réplica do objeto.
A jornada estava marcada para começar às 08h locais (10h de Brasília) com uma homenagem a militares e policiais por seu "esforço em favor da paz", segundo a presidência. Ao meio-dia (14h de Brasília), na Igreja de San Pedro Claver, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano e enviado do papa Francisco para a assinatura do fim do conflito com as Farc, vai presidir uma liturgia com "uma oração pela reconciliação de todos os colombianos".
- É um acordo muito completo, e implementar o que foi negociado em reforma agrária, luta contra o narcotráfico, inclusão dos ex-guerrilheiros em processos políticos e aplicação da justiça transicional vai exigir muita liderança - afirmou à agência de notícias AFP o chanceler norueguês, Borge Brende.
O pacto foi ratificado por unanimidade na sexta-feira passada pela Farc, que nasceram de uma revolta camponesa em 1964 e atualmente contam com 7 mil combatentes, após uma inédita conferência nacional guerrilheira autorizada pelo governo e aberta à imprensa em El Diamante, área remota do sul do país.
"Acabou a guerra, vamos todos construir a paz", tuitou Timochenko em meio ao evento, que, pela primeira vez, tratou de paz, e não de guerra.
ELN e a paz completa
Para entrar em vigor, o acordo, muito criticado pela oposição liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, deve ser aprovado em um plebiscito convocado para 2 de outubro. As pesquisas, incluindo as mais recentes, indicam a vitória do "Sim".
A paz na Colômbia não estará completa, no entanto, enquanto permanecer ativo o Exército de Libertação Nacional (ELN), segunda maior guerrilha do país, também criada em 1964. O ELN e o governo anunciaram em março a intenção de criar uma mesa formal de diálogos similar a das Farc, mas isso ainda não foi concretizado ante a reticência do grupo armado a abandonar a prática do sequestro, condição imposta por Santos para avançar nas negociações.
No domingo, o ELN anunciou a suspensão das ações ofensivas nos próximos dias para "facilitar a participação cidadã" no plebiscito.
- Nossa disposição é de que não haja um agir ofensivo do ELN nesses dias do plebiscito para facilitar a participação da população - disse o comandante do ELN, Pablo Beltrán, à Rádio Nacional Pátria Livre, emissora oficial da guerrilha.
O grupo rebelde indicou que, a partir deste domingo, suas ações ofensivas serão contidas, ainda que possa revidar em caso de ataque. Beltrán, cujo verdadeiro nome é Israel Ramírez, reiterou que há partes dos acordos alcançados pelas Farc e pelo governo "que não nos agradam", mas garantiu que sua organização "não será um obstáculo para os mesmos, e respeitaremos a aprovação.
- Fazer críticas não significa que estejamos contra - disse.
O comandante guerrilheiro, membro do Comando Central do ELN (COCE), disse ainda que essa determinação pode ser entendida como uma mensagem positiva de sua organização diante de um possível processo de negociação com o governo. Mas Santos insiste em que as discussões não começarão até que o grupo anuncie o fim da prática de sequestrar. O ELN surgiu em 1964.
Cartagena
A cidade histórica de Cartagena, que costuma despertar aos domingos com filas de turistas caminhando vagarosamente por suas ruas,vive uma agitação fora do comum desde ontem (domingo, 25). Mais de 3 mil soldados do exército colombiano guardavam as entradas da cidade, cercada por muros coloniais, e as principais avenidas que dão acesso a ela. Vendedores ambulantes eram chamados a guardar seus produtos e deixar as vias livres aos carros oficiais trazendo os mais de 2 mil convidados. Também o trânsito de barcos a partir do porto turístico da cidade foi interrompido, e passaram a guardar a entrada de Cartagena dois navios da Marinha colombiana. No fim da manhã de ontem, já começaram a chegar os protagonistas da cerimônia de hoje à tarde.
Os primeiros a chegar foram o anfitrião, o presidente Juan Manuel Santos, e a representação de 40 integrantes da guerrilha, que vieram diretamente de sua conferência, encerrada na última sexta, nos Llanos del Yarí (sul do país). Logo depois, chegou o presidente cubano Raúl Castro, um dos padrinhos do acordo.
Foram confirmadas as presenças de 15 chefes de Estado, entre eles Michelle Bachelet (Chile) e Nicolás Maduro (Venezuela) - que são também observadores oficiais do acordo -, Evo Morales (Bolívia), Mauricio Macri (Argentina), Rafael Correa (Equador), Enrique Peña Nieto (México), além do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, do rei emérito da Espanha, Juan Carlos, do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e de um representante do Vaticano.
Entre os convidados ilustres estarão também o ex-presidente espanhol Felipe González e o uruguaio José "Pepe" Mujica. O governo brasileiro será representado pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra.
O plebiscito
Para o acordo ser implementado, a sua assinatura não basta. Terá ainda de ser aprovado pelos colombianos no plebiscito do próximo domingo (2 de outubro). Segundo as regras especialmente formuladas para esta votação, basta que a opção "sim" tenha 13% (ou seja, 4,5 milhões de votos) para ser aprovada. O patamar baixo foi pedido do governo à Corte Constitucional, justificado pelo fato de que as mais recentes eleições colombianas tiveram uma alta abstenção -na Colômbia, o voto não é obrigatório. A Corte concedeu essa permissão.
Oposição ao acordo
Encabeçada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, a campanha do "não" também foi agressiva nos últimos dias. No sábado, Uribe voltou a declarar que a assinatura do acordo em Cartagena é "um show para pressionar os colombianos a votarem pelo 'sim'". E pediu novamente ao presidente Santos que aceite realizar um debate com ele antes do plebiscito. O presidente colombiano, que havia chamado várias vezes Uribe para um diálogo nos últimos anos, agora considera ser tarde demais, e na última semana descartou novamente o debate. Ao longo da semana, houve atos e comícios pelo "não" em Medellín, Tolima e outros locais. No começo da tarde de ontem, também nos arredores de Cartagena.
Detalhes um acordo
Um árduo diálogo de três anos e nove meses foi necessário para levar a Colômbia à paz com as Farc após mais de meio século de confrontos com o governo. Destacam-se cinco itens sobre as negociações entre o governo e a guerrilha, liderada por Rodrigo Londoño, mais conhecido por seu nome de guerra Timoleón Jiménez, "Timochenko":
A sede
A mesa de negociação se instalou na capital cubana, Havana, em 19 de novembro de 2012, um mês após as partes iniciarem sua primeira rodada de diálogo em Oslo. Cuba e Noruega foram os fiadores do processo, enquanto Venezuela e Chile serviram de acompanhantes.
As equipes
O ex-vice-presidente colombiano Humberto de la Calle, um advogado de 70 anos, e o chefe guerrilheiro Iván Márquez, cujo nome verdadeiro é Luciano Marín, um ex-congressista comunista de 61 anos, lideram as delegações do governo e das Farc, respectivamente.
Os acordos parciais
Em uma discussão pautada pelo slogan "nada está acordado até que tudo esteja acordado" e guiada por um mapa do caminho de seis pontos, as partes alcançaram acordos parciais em desenvolvimento agrário (26/05/2013), participação política dos guerrilheiros (06/11/2013), solução ao problema das drogas ilícitas (16/05/2014), justiça transicional (23/09/2015, para o qual Santos e "Timochenko" se encontraram pela primeira vez em Cuba), reparação às vítimas (15/12/2015), cessar fogo, desarmamento e referendamento (24/06/2016). Além disso, as negociações foram impulsionadas pelo testemunho de vítimas em Havana (a partir de 15/08/2014), acordos sobre desminagem (07/03/2015), criação da comissão da verdade (04/06/2015), desescalada dos confrontos (12/07/2015), busca de desaparecidos (17/10/2015) e fim do recrutamento infantil (10/02/2016).
Os desafios em terra
A negociação em Cuba não representou o fim do confronto em terra, uma condição imposta por Santos. No entanto, como sinal de seu compromisso com os diálogos, as Farc realizaram vários cessar-fogos unilaterais: de 20 de dezembro de 2014 a 23 de maio e de 20 de julho até a data. O governo respondeu suspendendo os bombardeios a acampamentos. Antes, a guerrilha também havia decretado suspensões unilaterais em temporadas de Natal e nas eleições gerais de 2014.
Ameaças ao processo
A guerrilha suspendeu as negociações por alguns dias, em agosto de 2013, depois que o governo propôs referendar o tratado de paz definitivo com um referendo, e não com uma Assembleia Constituinte, como queriam os insurgentes. Um escândalo de espionagem por parte da inteligência militar aos negociadores de paz abalou os diálogos em fevereiro de 2014. O governo suspendeu temporariamente as negociações, entre novembro e dezembro de 2014, pelo sequestro de um general promovido por integrantes das Farc.
Histórico da guerrilha
As Farc marcaram a sangue e fogo a história da Colômbia nos últimos 52 anos, em uma luta pelo poder pela via armada. Relembre abaixo os principais momentos do confronto entre as Farc e o governo colombiano:
1964: a fundação
O dia 27 de maio de 1964 é considerado a data fundacional das Farc. Foi quando ocorreu o primeiro combate de um grupo de camponeses, liderados por Pedro Antonio Marín, mais conhecido por seu nome de guerra Manuel Marulanda Vélez ("Tirofijo"). Eles resistiam à ofensiva militar em Marquetalia, no centro da Colômbia, considerada pelo governo conservador de Guillermo León Valencia como uma "república independente" de influência comunista.
1984, 1991, 1999: os processos de paz frustrados
A primeira tentativa de negociação de paz entre governo e Farc começou em 28 de março de 1984, quando o presidente Belisario Betancur e a guerrilha instalaram uma mesa de diálogo em meio a uma trégua bilateral. As conversas fracassaram em 1987, assim como outras duas, iniciadas em 1991 com o presidente César Gaviria e, em 1999, com o presidente Andrés Pastrana. Esse último processo, que durou até 2002, foi conhecido como "Diálogos do Caguán", referência a essa região de 42.000 km2. O presidente desmilitarizou essa área no sul do país para que a guerrilha se concentrasse durante as discussões.
Anos 1990: a escalada rebelde
Os anos 1990 foram marcados por uma estratégia de guerra das Farc que incluiu ataques a povoados, a bases militares e a quartéis. Também recorreram ao sequestro de civis para a cobrança de resgates. Marcaram essa época a tomada da cidade amazônica de Mitú em 1998 - com 37 mortos e 61 policiais caídos em poder dos rebeldes - e o massacre de Bojayá em 2002, onde morreram 79 pessoas em uma igreja, na qual tentavam se proteger dos combates. Talvez o fato do qual o mundo mais se lembre seja o sequestro, em 2002, da pré-candidata à presidência Ingrid Betancourt, libertada seis anos depois pelo exército. Seu cativeiro se transformou no símbolo do drama de civis, policiais e militares feitos reféns na Colômbia. Alguns ficaram em poder dos rebeldes por 10 anos.
Anos 2000: o Plano Colômbia e a ofensiva oficial
Em 2000, os EUA e o governo de Pastrana lançaram o "Plano Colômbia", estratégia contra o narcotráfico ampliada para a luta contra a guerrilha. Graças ao plano, em 15 anos foram enviados US$ 10 bilhões em fundos americanos para equipamento militar e treinamento no país sul-americano. Assim, abriu-se uma década de forte ofensiva oficial contra as Farc, liderada pelo presidente Álvaro Uribe (2002-2010). Durante seu mandato, o comando das Farc sofreu duros golpes. Em 2008, além da morte (que teria ocorrido por causas naturais) de "Tirofijo", mataram Raúl Reyes, o responsável internacional da guerrilha, em operação do exército colombiano no Equador. A estratégia de cortar a cabeça da guerrilha continuou com Juan Manuel Santos na Presidência. Primeiro, o chefe militar Jorge Briceño - conhecido como "Mono Jojoy" - morreu em 2010 em um bombardeio e, depois, em outra operação, realizada em 2011, foi a vez de Alfonso Cano, sucessor de "Tirofijo".
2012: até o fim da confrontação
Depois da escalada militar, a pedido do presidente Juan Manuel Santos e do novo líder das Farc, Rodrigo Londoño, identificado como Timoleón Jiménez ("Timochenko"), lançou-se o diálogo de paz que se encerra agora, formalmente, em Oslo, em 18 de outubro de 2012. A mesa de negociações foi instalada em Havana, em novembro desse mesmo ano, com Cuba e Noruega como avalistas, e Chile e Venezuela, como acompanhantes.
2016, o ano histórico
Em 24 de agosto, as partes anunciaram ter alcançado um acordo de paz definitivo, que deverá ser referendado pelo povo colombiano em um plebiscito em 2 de outubro seguinte. Hoje, é a assinatura. A História passa à nossa frente.
Perguntório
1) O que se dará neste 26 de setembro em Cartagena?
O líder das Farc, Rodrigo "Timochenko" Londoño, e o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, assinam o acordo de paz negociado por quatro anos.
2) Isso significa que a guerra terminou?
Não, o documento precisa ser aprovado em plebiscito no próximo domingo (2 de outubro). Para que o "sim" vença, deve obter um patamar de 13% dos votos do eleitorado, ou 4,5 milhões de votos. Apesar de as pesquisas darem vantagem ao "sim" (55,3% a 38,3%, diz a mais recente), há tendência de alta abstenção.
3) Por que 13%?
A lei prevê que, em plebiscitos e referendos, o patamar da opção vitoriosa deve ser de 25% a 50%, dependendo do caso. Devido à alta abstenção das últimas eleições, o governo pediu à Corte Constitucional que o patamar do plebiscito da paz fosse baixado para 13%. A Corte aprovou, gerando protestos da oposição.
4) E se o plebiscito aprovar o documento?
Guerrilheiros seguirão para 20 acampamentos do governo, vigiados pelo exército e monitorados pela ONU. Ali, haverá triagem entre os que vão responder a processos da Justiça especial e dos que serão anistiados. Também começa o processo de desarmamento, que deve se concluir em 180 dias.
5) O que ocorrerá aos guerrilheiros anistiados?
Receberão por 24 meses um valor correspondente a 90% do salário mínimo. Se participarem de atividades de reparação às vítimas, receberão um bônus.
6) E os acusados de delitos graves?
Serão julgados em tribunais especiais, compostos por magistrados colombianos e estrangeiros. Se culpados, terão "condenações com privação de liberdade e obrigação de participar de obras comunitárias".
7) Como eles irão participar da política?
As Farc pretendem lançar seu partido em 27 de maio de 2017. Para as eleições de 2018 e 2022, terão garantidas cinco cadeiras na Câmara e cinco no Senado.
8) Quem é contra?
Cidadãos que não aceitam a anistia aos guerrilheiros rasos e o subsídio do governo por dois anos. Chefiam essa campanha os ex-presidentes Álvaro Uribe e Andrés Pastrana. Principalmente Uribe, que é desafeto de Santos, que, por sua vez, chegou a ser seu ministro e tratou do tema da guerrilha durante anos...
9) Quem são os artífices principais do acordo? Confira seus perfis
Rodrigo Londoño resolveu que o "caminho democrático estava fechado" com a morte do presidente chileno Salvador Allende, o golpe e o começo da ditadura de Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973. Então, alistou-se nas Farc. Quarenta anos depois, o agora chefe máximo da guerrilha colombiana, conhecido como Timochenko, é o guerrilheiro que levou à paz o grupo insurgente mais antigo do continente. Londoño, também conhecido por seu outro nome de guerra Timoleón Jiménez, líder das Farc há quase quatro anos, guiou os insurgentes nas negociações iniciadas com o governo colombiano em Havana desde novembro de 2012. "É o homem que entrará na História por levar as Farc a um processo de paz", disse à AFP Ariel Ávila, analista da Fundação Paz e Reconciliação, especializada no conflito armado colombiano. Para Ávila, Timochenko, "um dos tipos mais queridos nas Farc" por sua relação próxima com o falecido líder histórico desta guerrilha, Manuel Marulanda (Tirofijo), sempre será recordado por seu papel chave no caminho de paz da Colômbia. Nascido em 22 de janeiro de 1959 em Calarcá (Quindió), em plena zona cafeeira da Colômbia e muito próxima do povoado natal de Tirofijo, Timochenko foi um dos guerrilheiros de maior confiança do fundador das Farc, e quem anunciou publicamente sua morte, causada por um infarto em 26 de março de 2008. Mas foi em 4 de novembro de 2011, quando o sucessor de Tirofijo, Alfonso Cano, foi morto em uma operação militar, que Timochenko tomou as rédeas do grupo rebelde, que surgiu por uma insurreição camponesa em 1964. Aos 52 anos, com um perfil de estratégia militar e reputação como chefe da insurgência, tornava-se assim em 2011 o terceiro líder das Farc, atualmente com cerca de 7 mil combatentes em suas filas, segundo números oficiais (já chegou a ter perto de 20 mil). De berço marxista, Timochenko militou na Juventude Comunista dos anos 1970 e cursou medicina na União Soviética e em Cuba, embora nunca tenha se formado. Em sua volta à Colômbia, em 1979, uniu-se às Farc e em apenas dois anos se tornou comandante de frente. Em 1982, com 23 anos, integrou o Estado-Maior da guerrilha, de 30 membros, e aos 26 passou a formar seu Secretariado, a cúpula rebelde composta por sete comandantes. No início de 2012, quando tinha algumas semanas no comando das Farc, escreveu ao presidente Santos para iniciar "uma hipotética mesa de negociações, de frente para o país" para retomar o último fracassado processo de paz com o governo de Andrés Pastrana, entre 1998 e 2002. Dias depois, se comprometeu a parar com o sequestro de civis com objetivos de extorsão econômica, contemplando uma das mais insistentes demandas do chefe de Estado. Santos reconheceu então que a guerrilha havia dado um passo para o estabelecimento de um diálogo, embora o tenha classificado como insuficiente. Membro mais antigo do Secretariado, este homem corpulento, de barba grisalha e que normalmente tem um lenço no pescoço como fazia Tirofijo, vive recluso há anos nas "montanhas da Colômbia", desde onde já assinou vários comunicados com relação ao processo de paz publicados no site das Farc dedicado às negociações. O chefe máximo das Farc é acusado de delitos como homicídio qualificado, terrorismo, sequestro, extorsão, roubo e rebelião, entre outros. Além disso, foi condenado à revelia em vários processos judiciais. Contudo, e embora os EUA continuem oferecendo recompensa de até US$ 5 milhões por qualquer informação que possa conduzir a sua captura, Timochenko pôde participar dos diálogos de paz em Cuba porque mais de cem ordens de prisão contra ele foram suspensas com este objetivo.
Juan Manuel Santos não se contentou em ser eleito duas vezes presidente da Colômbia. Sua meta era a paz em seu país, um sonho audaz que hoje será selado com a assinatura do acordo com as Farc. "Ele conseguiu o fato histórico mais importante da Colômbia contemporânea: o fim de um doloroso e custoso conflito de 52 años", afirmou à AFP Mauricio Rodríguez, seu cunhado e conselheiro há mais de 20 anos. Presidente da Colômbia há mais de cinco anos, Juan Manuel Santos se transformou no impulsionador da paz no seu país, castigado há mais de meio século pelo conflito armado mais antigo da América Latina. Quando foi ministro da Defesa (2006-2009), Santos liderou a mais forte ofensiva lançada contra este grupo insurgente. Mas uma vez eleito em 2010 e reeleito em 2014, este líder de centro-direita, moderado e de temperamento tranquilo, foi pouco a pouco consolidando-se como aguerrido defensor da paz. Simbolicamente, inclusive, coloca em seu terno uma pequena pomba da paz, um prendedor metálico que costuma presentear a quem o visita e que se tornou marca registrada do seu governo. Liberal formado na London School of Economics, Santos, 64 anos, se propôs a pôr fim a uma guerra que mina humana e economicamente o seu país - que, no entanto, é a democracia mais antiga da América Latina, região que durante décadas viveu sucessivos golpes de Estado. "O que a Colômbia mais precisa é viver em paz, há 50 anos que nos matamos entre irmãos", disse, antes de ser reeleito. Ao longo de décadas, esse conflito complexo - que deixou pelo menos 220 mil mortos e mais de 6 milhões de deslocados - opôs guerrilhas de extrema-esquerda, paramilitares de extrema-direita, forças militares e cartéis do tráfico de cocaína, da qual a Colômbia é o principal produtor mundial. Pedaços inteiros do território permanecem coalhados de minas, que nos últimos 15 anos mataram 2 mil pessoas e feriram outras 9 mil, o que torna o país o mais afetado por esse flagelo depois do Afeganistão. Santos pretende ainda avançar no caminho de uma paz mais completa. Seu governo, inclusive, fez "contatos exploratórios" com a segunda guerrilha do país, o ELN, com o fim de iniciar diálogos formais com esse grupo rebelde de 2,5 mil integrantes, segundo cifras oficiais. Procedente de uma família proeminente - seu tio-avô foi chefe de Estado e dono do jornal influente El Tiempo -, esse pai de três filhos ocupou vários ministérios, em sucessivos governos com diferentes tendências políticas. Mas foi na pasta da Defesa que se destacou ao impor uma luta sem trégua contra a guerrilha, sob o comando de seu antecessor de direita na presidência, o atual senador e principal opositor (e desafeto), Álvaro Uribe. Assim, entre os feitos de Santos, estão a eliminação, em 2008, do número dois das Farc, Raúl Reyes, e a libertação da refém franco-colombiana Ingrid Betancourt. Depois, vieram as operações nas quais caíram o líder militar das Farc, Jorge Briceño (Mono Jojoy), em 2010, e seu líder máximo, Alfonso Cano, em 2011. Paralelamente, no entanto, o governo de Santos estabeleceu contatos com a guerrilha porque, segundo seu cunhado, Mauricio Rodríguez, um de seus assessores mais próximos, "a paz é seu objetivo". "Fez da guerra um meio para alcançar a paz: debilitar as Farc para obrigá-las a se sentar à mesa. Depois dele, será difícil voltar atrás. Ele já venceu esta batalha", disse. Essa determinação não lhe rendeu só elogios. Uribe, seu padrinho político, o chamou de "traidor da pátria" por esta aproximação com o grupo insurgente ao qual seu governo se opunha ferozmente.