Luis Fernando Verissimo pisou pela primeira vez em Paris em 1959, aos 22 anos, em uma viagem na companhia dos pais, Erico e Mafalda. Era também a estreia do autor de O tempo e o vento no continente europeu.
– Era o grande sonho da vida dele (o pai) conhecer a Europa. Ficamos quatro meses rodando e um mês inteiro em Paris – contou em conversa com Chico Buarque, quando reuni a dupla num bate-papo na capital francesa para um programa de tevê no Ano do Brasil na França, em 2005.
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Sua primeira lembrança parisiense? A repentina visão ao sair dos subterrâneos do metrô para a superfície e deparar com a avenida de Champs-Elysées. Sobre essa primeira experiência na Cidade Luz, resumiu:
– A sensação de estar numa ideia diferente de cidade e de civilização – me disse, quando o entrevistei aqui uma outra vez.
Verissimo e Paris nunca mais se separaram. A cidade se tornou ao longo dos anos um tipo de porto seguro, onde se refugia – na companhia da inseparável Lucia – para frequentar boas mesas da capital da gastronomia, visitar exposições e livrarias, assistir a shows de jazz e concertos de música clássica ou simplesmente flanar pelas ruas e fazer repousantes sestas no sofá de seu apartamento, próximo à praça Trocadéro.
O escritor mantém uma relação dicotômica com a cidade: como um habitué, conserva a fidelidade a conhecidos endereços; como um curioso aventureiro, está sempre disposto a explorar novos destinos. Quase invariavelmente, seu primeiro reflexo após deixar as malas em casa é fazer uma parada no restaurante Laurent, na avenida Gabriel, na parte ajardinada de Champs-Elysées. Uma mesa que, segundo ele, mereceria seis estrelas no reputado Guia Michelin (a classificação máxima é de três).
– Não há melhor programa em Paris do que almoçar no seu terraço, desde que haja sol e a temperatura permita. A pedida é salada de lagosta, um peixe branco e um Sancerre sincero – aconselha.
Na lista de preferências do incansável gourmet, estão ainda o "imbatível" steak tartare do Bar des Théâtre, nas proximidades do Théâtre des Champs-Elysées; o arenque do tradicional Chez Georges, perto da Place des Victoires; o Taillevent, na rua Lammenais, do saudoso Jean-Claude Vrinat; o L'Ambroisie, na Place des Vosges, da talentosa e acolhedora família Pacaud, ou o assediado L'Astrance, na rua Beethoven, do chef Pascal Barbot, quando é possível obter uma reserva.
Sua livraria na cidade é anglófona: a charmosa Gagliano, sob as arcadas da rua de Rivoli. Pelo menos uma visita a suas estantes é indispensável a cada vez que vem a Paris. Na música, possui um "amor antigo", o compositor Michel Legrand; mas cultiva também amantes literários, como "o velho Camus", e cinematográficos, como "o velho Belmondo".
Verissimo não perde as exposições em cartaz, seja no Grand Palais, no Centro Pompidou, no Palais de Tokyo, no Museu Jacquemart-André ou em qualquer outro espaço de arte da cidade. E, sempre que pode, dá uma passada em uma loja Fnac para comprar algum CD – na seção de jazz, de preferência. Numa outra entrevista, perguntei o que andava escutando naqueles dias, e ele respondeu:
– Eu tinha um vinil de 10 polegadas do Oscar Peterson cantando e me lembrava de como gostava desse disco. E agora encontrei aqui em Paris o CD e comprei, para me lembrar daquela época. Engraçado que o Oscar Peterson tem o mesmo tipo de timbre de voz do Nat King Cole. Continuo ouvindo bastante jazz, também muita música brasileira, alguma música erudita, principalmente Bach e Villa-Lobos. Ouvi uma bela missa do Beethoven agora aqui em Paris, na Salle Pleyel, um espetáculo.
Como passeio, diz se inspirar no filósofo flâneur Walter Benjamin (1892 – 1940), "que gostava de andar pelas galerias". Já o escritor Guy de Maupassant, lembra ele, dizia que a melhor vista de Paris era da Torre Eiffel, porque não se via a Torre Eiffel.
– Mas na sua época ainda não existia a inexplicável Torre Montparnasse – acrescentou, com toda a razão.
Mas, em termos de ângulos e perspectivas, o escritor tem um local especial seu na cidade:
– Um ponto no Quai de la Tournelle, em que você tem os fundos da Notre-Dame a sua esquerda, e a Île Saint-Louis a sua direita.
Quando o indaguei sobre "um desejo", replicou de pronto:
– Voltar a Paris com a minha neta.
De lá pra cá, o avô escritor ganhou também um neto, e o comboio para a capital francesa vai aumentando.
São inúmeras as histórias e momentos que compartilhamos nestes anos todos na capital francesa. No entanto, muitos deles, para não envergonhar nossas biografias, convém deixar no esquecimento. Como aquela noite em que jantamos nós três – eu, ele e Lucia – no estrelado restaurante de um grand palace parisiense e… Bom, ainda bem que acabou o espaço. Esta história deixarei para contar quando nosso aniversariante homenageado comemorar seus 90 anos de vida. Quem sabe, aqui mesmo em Paris, com seus filhos e netos reunidos, o Michel Legrand como trilha sonora, e uma boa garrafa de Saint-Estèphe para o brinde.