A morte de Elke Maravilha desatou memórias de quando estivemos juntos em Luartrovado, espetáculo dirigido por Gerald Thomas em São Paulo, 2007. Uma mistura improvável num palco imenso: o Pierrot Lunaire de Schoenberg (Adélia Issa recitando!), o funk de Deize Tigrona, atores se fazendo de socialites, bailarinas, um tocador de tuba, Tom Zé de surpresa, nós, os músicos, com figurinos de Jornada nas Estrelas. E Elke Maravilha no início, no meio e no final do espetáculo ordenando “Ouça!” em bom alemão.
Anos depois ainda não consegui alcançar o conceito do espetáculo, mesmo tendo participado dele como pianista.
Tudo se passava como se fosse na lua, com a Terra girando lentamente ao fundo. Uma catástrofe acontecera no planeta e um grupo de privilegiados tinha ido parar na lua. Os músicos que tocavam e recitavam a partitura de Schoenberg (nós, em resumo) pareciam ser habitantes daquela paisagem inóspita, de onde também surgia Deize Tigrona cantando um de seus funks mais expressivos, interrompendo Schoenberg.
Foi dela que ouvi um elogio precioso: “O que vocês fazem é muito lindo...!”, se referindo à música... atonal... de Schoenberg... Isso já compensava a mão pesada do diretor. Isso e a presença de Elke Maravilha que era nada menos do que o centro moral do espetáculo e seus mistérios. Era dela a autoridade maior de tudo o que se passava no palco, até surgir, no último momento, no topo de um carro alegórico cheio de geladeiras, fogões e palmeiras, cruzando o fundo do palco até estacionar placidamente no centro da cena.
Abanando para a plateia, Elke dizia a voz baixa para nós, os músicos, coisas irreproduzíveis e que nada tinham a ver com os seus abanos protocolares. Por que os músicos estão rindo?, deve ter se perguntado alguém na plateia.
Por causa de Elke e seus impropérios, ora! Uma presença bem humorada e majestosa que, enfim, colocava nexo no caos lunar. Foi assim que tudo adquiriu sentido e ficou na memória: Schoenberg, Deize Tigrona, Adélia Issa, o tubista. Tudo por causa de Elke Maravilha.