O governo colombiano está muito perto de anunciar o esperado acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e, também, de alinhavar outro com o Exército de Libertação Nacional (ELN). A perspectiva é de que, até o final do ano, seja assinado o acerto com as Farc, que é negociado em Havana. E há diversos aspectos a serem considerados no desfecho desse evento histórico. Entre outros, a entrada dos guerrilheiros na política institucional e a difícil costura de uma recompensa para as vítimas.
Mas não é só. Pouco de fala de algo que o The New York Times traz à tona. Algo de altíssima relevância humana: as crianças e adolescentes que foram cooptadas pela guerrilha. Um grande drama, de repercussão social e emocional.
Mélida, por exemplo, tinha apenas nove anos quando os guerrilheiros a atraíram com a promessa de comida enquanto brincava. Nos sete anos seguintes, foi refém dos rebeldes, forçada a se tornar uma criança-soldado. Ouvida pelo NYT, ela contou sua história. A família achava que a menina havia morrido em algum combate. Mélida de repente voltou para sua cidadezinha, aos 16 anos, carregando uma pistola e uma granada. Somente o avô a reconheceu, graças a uma marca de nascença no rosto. No dia seguinte, os militares cercaram sua casa, chamados por um informante que queria uma recompensa por sua cabeça.
Esse é o resumo da sua história. Mas é uma história cheia de detalhes relevantes.
– Descobri que meu pai havia me delatado – recorda-se ela.
Antes de continuar, sempre é bom lembrar: a guerra interna colombiana tem 52 anos e deixou mais de 220 mil pessoas mortas, com o país amargamente dividido sobre qual papel, se é que há algum, os ex-rebeldes podem ter na sociedade uma vez que deixem as armas por uma vida nova fora da selva. Pois bem, isso inclui milhares de combatentes rebeldes criados desde a infância para integrar a luta armada. Muitos deles não conhecem outra coisa além de guerra.
– Já cheguei a pensar em voltar à guerrilha, porque a vida é dura aqui – disse Mélida, agora com 20 anos, que como outras ex-crianças-soldados, pediu que seu sobrenome não fosse usado pelo repórter Nicholas Casey, pois tem medo de represálias devido à sua ligação com os rebeldes.
Hoje diz que está presa entre dois mundos e que não pertence a nenhum deles.
– É verdade, éramos crianças à espera da morte. Mas sempre penso em voltar.
As Farc dizem que não recrutam crianças. No entanto, durante recente visita do New York Times a um de seus acampamentos, pelo menos seis soldados, que não pareciam ter mais de 15 anos, disseram terem sido recrutados apenas alguns meses antes. Em centros de reabilitação do governo espalhados pela Colômbia, menores contam histórias semelhantes; agora, precisam enfrentar um futuro para o qual estão completamente despreparados.
Mélida disse que quando seus captores foram à sua casa, pelo rio, chamaram sua atenção dizendo que tinham sopa na canoa. Os guerrilheiros a levaram a um acampamento distante. Ela acordou ao lado de várias outras crianças, todas com cerca de 10 ou 11 anos. O pai de Mélida, Moisés, um curandeiro tradicional do grupo Cubeo da Amazônia, estava fora na época e só voltou para a aldeia mais de um mês depois. Ele logo partiu para tentar encontrar a garota. Moisés foi ao acampamento da guerrilha perto da aldeia e pediu para falar com o comandante.
– Eu disse que estava ali para pegar minha filha, mas ele me falou que ela não estava lá – recorda-se Moisés.
No acampamento, Mélida era chamada de Marisol e começou a ter aulas. Uma holandesa, que se juntou aos combatentes e falava um espanhol ruim, dava aulas sobre a história do comunismo, as Farc e a teoria da evolução de Darwin, algo que Mélida nunca havia aprendido em sua vila nativa.
Mélida também aprendia a fazer minas terrestres. Uma delas, "parecida com um peixe", era acionada por um fio na altura da canela, ela disse.
– Eu disse que queria ir para casa, mas eles falaram: "Quando você vem para um acampamento, não pode mais sair".
Anos depois de ter sido raptada, rebeldes das Farc passaram por sua aldeia e falaram de Mélida para sua família.
– Disseram que havia morrido em um ataque. Depois disso, me esqueci dela. Achei que era melhor esquecer – contou o pai.
Na realidade, um comandante de uns 40 anos havia se interessado por ela. No começo, ele a seguia pelo acampamento. Então um dia, quando ela tinha 15 anos, chamou-a para lavar as roupas em sua tenda.
– Me dá um beijo – ela se lembra de ele ter dito.
– Não sei fazer isso – disse ela.
– Então vou te ensinar – disse o comandante.
– Mais tarde, implantaram um anticoncepcional no meu braço e o comandante me obrigou a ter um relacionamento com ele – contou a jovem.
– Imagine acordar ao lado de alguém muito velho quando você é tão jovem – disse a jovem.
Aos 16 anos, pediu permissão ao comandante para visitar a família. Ficou surpresa quando ele concordou. Carregando a pistola e a granada, ela voltou para o que seria um breve encontro. A cidadezinha estava irreconhecível. Havia uma embarcação de guerra parada perto da doca. A casa da qual ela havia sido sequestrada estava abandonada.
– Disse à primeira pessoa que vi que era filha do Sr. Moisés, e eles disseram que não era possível, porque ela estava morta – contou.
Mélida diz que não sabe por que seu pai a entregou aos militares no dia seguinte.
– Acho que ele não queria que eu voltasse. Queria o melhor para mim.
Mas Moisés, na sala de estar da filha, deu outra explicação.
– Eu queria comprar uma moto.
Depois de um instante, acrescentou:
– Nunca me deram a recompensa que me foi prometida.
Conforme Mélida, os soldados a interrogaram em várias bases. Perguntavam qual era seu verdadeiro nome. Queriam saber quem eram seus comandantes? Também onde ficavam as bases das Farc?
Depois de duas semanas, Mélida foi levada para um centro de reabilitação do governo para jovens que haviam deixado as Farc. Ela ficava numa montanha em uma parte diferente do país e nunca vira os Andes antes de ter sido capturada. O centro abrigava aproximadamente 20 outras ex-crianças-soldados. As aulas e tarefas diárias, para ajustá-los à vida civil, eram novidade para ela. Outros requisitos, como outro implante anticoncepcional, lembrou-a das Farc. A guerra estava constantemente na mente de Mélida.
– Quando me levantava, ia pegar meu rifle embaixo da cama e percebia que não havia nada lá – contou.
Víctor Hugo Ochoa, diretor do centro, disse que Mélida chegou revoltada e ameaçou fugir muitas vezes.
– Foi difícil intervir – disse ele.
À noite, ela saía do centro com um homem chamado Javier, cuja mãe era cozinheira lá. Ele tinha nove anos a mais que ela, mas os dois saiam para beber e se divertir em uma cidade vizinha. Javier tinha uma história ruim com os rebeldes. Em 2004, seu irmão, soldado, foi morto por um atirador. Sua família nunca perdoou os guerrilheiros, uma tensão no coração de qualquer acordo de paz. Apesar disso, Mélida e Javier perceberam que estavam apaixonados.
– Por que tinha que ser ela? Do grupo que matou meu irmão?
Esses novos laços começaram a mudá-la, disse Ochoa. Conheceu suas duas primas, María e Leila, também ex-membros das Farc que haviam deixado o centro. A mãe do Javier, Dora, ensinava Mélida a cozinhar e a limpar, assumindo o papel da mãe.
Um dia, o anticoncepcional de Mélida falhou e ela ficou grávida.
Sua filha, Celeste, nasceu no ano passado.
As tarefas diárias da maternidade consumiram Mélida por semanas, mas a revolta permaneceu.
– Ela me disse que foi criada para a guerra, para não se importar e não para ser uma amante. Falou que amava, mas me pediu para entender que sua vida não era fácil – disse Javier.
Recentemente, sua prima Leila, ex-membro das Farc, cometeu suicídio. Mélida às vezes visita seu túmulo.
Dora diz que Mélida é forte demais para tirar a própria vida, mas tem medo que ela retorne à guerrilha.
– Ela é uma boa mãe e coloca a filha em primeiro lugar, mas também me diz que está entediada e que não gosta desta vida. E eu lhe digo que, se quiser ir embora, pode ir. Mas tem que pensar na menina. Peço que deixe Celeste comigo.