Zaha Hadid, arquiteta nascida em Bagdá, 65 anos, morta no último dia de março, vivia e trabalhava em Londres. Única mulher a figurar na elite da arquitetura do espetáculo, tinha fama internacional, obras espalhadas pelo mundo e adotou a cidade desde que, formada em matemática em Beirute, deixou o mundo árabe em busca da carreira.
Foi em Londres que estudou, fez amigos, abriu seu escritório (atualmente com quase 400 funcionários), mas não formou família. Zaha vivia sozinha.
– Ela unia força e beleza. Era generosa e engraçada – mas não todo o tempo – disse Rem Koolhaas, renomado arquiteto holandês, em rara entrevista para a revista inglesa Dezeen.
Koolhaas foi mentor e colega de Zaha na Associação das Escolas de Arquitetura de Londres, talvez seu melhor amigo, mesmo que nestes últimos anos tenham competido em muitos projetos. Discreto, abriu uma exceção ao cuidadosamente entregar um lado mais pessoal dela, fugindo do estereótipo profissional-talentosa-de-gênio-difícil. Não que ela fosse fácil, mas Zaha tinha forte ligação com os filhos dele e empatia com crianças.
De outras pessoas próximas, sabe-se que ela também gostava de chegar chegando. Não aceitava compromissos durante a manhã, nunca participava de reuniões com menos de dois ou três assistentes e eram eles que atendiam os seus celulares, monitorando a troca de mensagens com clientes do mundo, administrando um fuso horário insano.
Zaha gostava de Miami, do frescor da cidade. Foi lá que morreu, de enfarte, durante o tratamento de uma bronquite. Ela também não tinha medo de polêmicas. A mais recente, ano passado, quando abandonou uma entrevista de rádio, um dia depois de ganhar a Medalha de Ouro Real de Arquitetura do Reino Unido. Questionada sobre a morte de trabalhadores ilegais durante a construção do estádio projetado por ela no Qatar, deu a entrevista por encerrada e foi embora. Mais tarde, a BBC admitiu o erro, dizendo que não havia a confirmação de acidentes exatamente neste local.
A arquiteta recebeu a honraria de Dama e conheceu a Rainha. Mas para uma personalidade como a dela, não era o bastante. Apesar de ter construído uma escola pública, o Centro Aquático de Londres e a ampliação da Serpentine Sackler Gallery, desejava mais.
– Gostaria de fazer uma torre em Londres – declarou certa vez.
Nas Olimpíadas de 2012, foi convidada para a inauguração do Centro Aquático. Mas não recebeu convite para nenhuma competição dos jogos. Ao encontrar o prefeito de Londres, abriu o bico, contando que só viu sua piscina em ação graças à ajuda de uma cambista que conseguiu um ingresso.
Entre curvas dramáticas e aparições marcantes, esse é um extrato da Dama Zaha Hadid, para não deixar dúvidas de o quanto de sua personalidade está em sua obra.
Visitei as duas principais obras da designer na cidade. Confira abaixo.
Nade como um campeão olímpico
Por R$ 40, você pode nadar na raia em que Michael Phelps faturou uma das seis medalhas nos Jogos Olímpicos de Londres. O Centro Aquático, projeto milionário de Zaha, tem entre outros charmes o teto que reproduz o movimento de uma onda. O efeito é bonito para quem observa de fora, mas é mais impressionante para quem está dentro da piscina, olha para cima e vê a estrutura de metal em curvas. A sensação é a de entrar numa nave espacial.Com custo final de R$ 1,5 bilhão, mais do que originalmente orçado, foi aberto ao público há dois anos. Em parte, é administrado por uma rede de academias, mas não-sócios podem pagar uma taxa e frequentar. Escolas também utilizam o centro para treinos. São três piscinas divididas por idade e ainda uma exclusiva para saltos ornamentais. Nos finais de semana, como na foto, tobogãs são montados para brincadeiras com as famílias.
Almoço combina natureza e design
A arquiteta era grande apaixonada por arte contemporânea, influência clara em seus projetos. Integrante do conselho da Serpentine Gallery, contrariando todas as expectativas, ela aceitou o convite de construir um restaurante anexo a Serpentine Sackler, uma das duas galerias localizadas no centro do Hyde Park. Surpresa, porque o espaço é de dimensões modestas em comparação a todos os seus outros projetos.O Magazine, de menu com pegada oriental, oferece brunch nos finais de semana e tem porções delicadas – em harmonia com o ambiente. Em uma cidade em que qualquer raio de luz é bem-vindo, o projeto de Zaha parece exibido, mas se justifica: quando você está à mesa, as aberturas fazem a luminosidade do exterior e a natureza serem mais um convidado na sua refeição.