O Brasil ganhou as manchetes dos principais veículos internacionais nas últimas semanas diante do desmoronamento assombroso que o país atravessa. A revista britânica The Economist pediu a renúncia da presidente da República, o jornal mais lido do planeta, o New York Times, trouxe matéria de primeira página sobre as crises gêmeas brasileiras, a política e a econômica. O francês Le Monde, o espanhol El Pais, o também britânico Financial Times têm incluído coberturas detalhadas sobre a tragédia brasileira em suas páginas. Como economista brasileira fora do Brasil, entretanto, a tarefa de explicar o país para os estrangeiros não tem sido fácil.
Para começar, ninguém entende por que os mercados têm reagido tão bem ao possível impeachment da presidente da República. "Mas os problemas não serão os mesmos? A economia não continuará em recessão, o desemprego a subir, a inflação a corroer a renda dos mais pobres, ainda que arrefeça com a queda da atividade?", perguntam. "E a política? Os problemas de governabilidade não haverão de permanecer com as dúvidas que pairam sobre a integridade do sistema político nacional?", questionam. "Como um novo governo que continuará a ser instigado pelas investigações da Lava-Jato haverá de escapar da percepção de falta de legitimidade e de credibilidade que hoje assombra Dilma Rousseff?", arrematam. A forma mais fácil de responder a essas perguntas sem recorrer à Tom Jobim - "o Brasil não é para principiantes" - é matemática. Se algo que hoje vale zero passa a valer 0,01, a melhoria é infinita. É mais ou menos assim que os mercados, hoje, tratam as implicações do impeachment para a economia brasileira.
Contudo, há exageros. Para além das questões e soluções complexas, como as que preconizam a remoção do enrijecimento orçamentário brasileiro garantido pela Constituição, a quebra de vínculos entre receitas e despesas, a eliminação de indexações perniciosas que permitem que os gastos cresçam independentemente do que esteja acontecendo com o restante da economia, para não falar da reforma inevitável dos bancos públicos e do papel excessivo que hoje desempenham no Brasil, há inúmeros penduricalhos, puxadinhos, e lajes indevidas que terão de ser desfeitos. Tome-se a relação entre o Tesouro e o Banco Central, por exemplo. O tema é árido, não se rende facilmente a uma eletrizante narrativa. Contudo, nos últimos anos foram criados mecanismos que permitem certo enredamento incestuoso entre os balanços dessas instituições. O resultado são as dúvidas que persistem sobre o real tamanho da dívida pública brasileira - o Banco Central diz ser de 66% do PIB, o FMI, de 70% ao final de 2015 - além de questionamentos sobre a dinâmica de sua composição. Há quem afirme que em tempos recentes a dívida tenha ficado mais curta e menos flexível com a necessidade de o Banco Central atuar com frequência no mercado para retirar excessos induzidos pelo Tesouro. Concordo com essas análises. O cerne do problema está na Lei 11.803, criada em 2008, e sobre a qual diversos economistas já escreveram.
Outro problema é a demolição da Lei de Responsabilidade Fiscal, não apenas em razão das pedaladas, como também das propostas de se instituir uma banda de flutuação para a meta do resultado primário. Já se fala, inclusive, em "abater" da meta que não é meta, posto que é banda, cerca de R$ 120 bilhões para "acomodar despesas adicionais". O intuito de tal irresponsabilidade fiscal partindo de situação fragilíssima das contas públicas brasileiras seria "promover a retomada do crescimento e do emprego". Há quem acredite nisso. Garanto-lhes, entretanto, que não estão entre os interlocutores estrangeiros com quem converso frequentemente. Estão todos aí mesmo, no Brasil, entoando o coro mal-informado do "não vai ter golpe", enquanto assistem à demolição do país na tentativa desesperada de salvar o mandato de uma presidente que nada preside.
Não nos enganemos: a demolição econômica perpetrada no país é grande, imensa. Reconstruí-lo, remontar as instituições que garantiram a estabilidade econômica antes do esfacelamento, será tarefa hercúlea para qualquer governo bem-intencionado. Que comece logo.
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