Atenção: dois sinais de alerta na Argentina, que devem preocupar o presidente Mauricio Macri. Vêm dos dois principais líderes sindicais, e isso não é nada bom para um governante, em especial um governante argentino.
Pela CGT, Hugo Moyano diz que "Macri precisa entender as demandas sociais" e que suas medidas são "perversas". Pablo Micheli, da CTA, foi mais enfático ao dizer que a Argentina está "a caminho de um conflito social". São palavras fortes, com potencial de desmontar um governo.
Sempre é bom lembrar: tradicionalmente, os governos que não chegam ao fim na Argentina são os não peronistas. Os casos mais recentes são os de Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa. E um detalhe deve servir para inquietar ainda mais os macristas: o presidente não tem maioria no Legislativo. Ou seja, muito mais que uma crise atual, o mais grave é a projeção que se faz.
Não é necessário jogar búzios para saber: vem chumbo grosso logo adiante.
E qual é a situação explosiva que temos hoje? Demissões no setor público e aumentos de tarifas de até 100% no transporte, somados a altas em outros serviços básicos e alimentos, multiplicam os protestos na Argentina, onde sindicalistas advertem sobre o final da "lua de mel" com o governo de Mauricio Macri. Os aumentos incluem a alta de 500% na eletricidade e na água, cerca de 300% no gás, além de um crescimento de 6% ao mês, desde dezembro, nos preços dos combustíveis.
Os preços crescentes também atingem os alimentos básicos, pesando no bolso dos argentinos, e desafiam a paciência das centrais sindicais, em meio a uma inflação que deve superar os 30% anuais.
"Acabou a lua de mel com o governo", alertou Pablo Moyano, dirigente do poderoso sindicato de Caminhoneiros (poderoso mesmo, são eles que cortam estradas e estancam a produção) e filho de Hugo Moyano, que é o líder da mais influente de todas as cinco centrais sindicais.
Centenas de funcionários públicos se reuniram na quinta-feira na frente de vários ministérios. "Sim, podem-se frear as demissões", afirmavam cartazes que também pediram o fim das tarifas.
"Isso (as demissões) tinha que ser feito", justificou o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay ao advertir que essas decisões faziam parte "da plataforma de campanha" com a qual Mauricio Macri chegou à presidência em 10 de dezembro.
Em frente ao ministério de Prat-Gay, trabalhadores da pasta e membros do sindicato de estatais denunciaram centenas de demissões em seu barulhento protesto.
O sindicato das estatais (ATE) aponta que houve 9 mil demissões no setor público nacional e 25 mil no setor provincial e comunal. Algo extremamente explosivo!
Também na quinta-feira, venceu o prazo do decreto de emergência anunciado por Macri em dezembro para revisar 64 mil contratos temporários, particularmente 25 mil incorporados desde 2013.
O protesto obrigou a mudar para a sede do governo uma coletiva de imprensa do ministro do Transporte, Guillermo Dietrich, em que anunciou o aumento de 100% nos bilhetes de trem e ônibus da populosa região metropolitana de Buenos Aires.
O aumento será a metade para a chamada tarifa social, que beneficiará 6 milhões de pessoas, segundo afirmou o ministro, sem convencer muito os sindicalistas.
A extensão e a quantia dos aumentos levou a deputada Elisa Carrió, aliada de Macri, a demonstrar suas divergências com o governo em que votou.
"Não compartilho ajustes brutais de água, gás, transporte em meio a uma inflação tão alta. Não se pode sufocar a sociedade que nos apoia", disse Carrió.
O ministro Prat-Gay demonstrou surpresa com a situação.
"Diferente de outros processos políticos, fomos muito explícitos durante a campanha, o que nos confere a autoridade que de outra maneira não teríamos tido", disse.
O ministro argumentou que os aumentos na inflação são "algo estritamente transitório", embora os sindicatos digam o contrário.
Por parte dos caminhoneiros, Moyano antecipou "greves e mobilizações nas ruas", em meio ao início das negociações entre sindicatos e empresas a instâncias do Estado por aumentos salariais anuais.
Na estatal Aerolíneas Argentinas os trabalhadores organizaram uma paralisação na sexta-feira.
A ATE, com o apoio das centrais sindicais, denunciou à Organização Internacional do Trabalho (OIT) "a perseguição sofrida pelos trabalhadores públicos em seus setores de trabalho e as demissões em massa". Ou seja, a crise já transborda para fora do país.
"Os trabalhadores ficam sabendo que não têm mais emprego quando o controle de entrada lhes dizem que deram baixa em sua permissão de entrada. É uma estratégia perversa de demissão", explicou Pablo Anino, delegado da ATE na pasta da Fazenda.
Por isso, a ATE organizou "entradas conjuntas" em todos os ministérios em meio a assembleias e mobilizações de ruas em um dia-chave, em que se suspeita que haverá centenas de baixa nos contratos, como aconteceu antes na Biblioteca Nacional (240) e no ministério de Cultura (500).
No ministério de Trabalho o ambiente era de angústia.
"Ligo para casa a cada cinco minutos para saber se chegou o telegrama", relatou uma trabalhadora social de 39 anos que há uma década trabalha ali.
"Os diretores da área fizeram listas onde nos classificam de 'prescindibilidade' e se estamos afiliados a um sindicato", disse.
A metros dela, em uma assembleia barulhenta, uma mulher chorava. Por telefone acabavam de confirmar que ela havia ficado sem emprego.
O resultado de tantos aumentos e de tanto desemprego é que a Argentina registrou um crescimento de mais de cinco pontos em sua taxa de pobreza até alcançar mais de um terço (34,5%) da população durante os três primeiros meses do governo de Macri, revelou nessa sexta-feira relatório da Universidade Católica (UCA).
De acordo com o documento, a pobreza em 2015 chegava a 29% dos argentinos, mas passou a afetar 34,5% da população entre o final do ano passado e março desse ano, o que representa 13,8 milhões de pessoas.
Entre os pobres foram registrados 2,7 milhões de indigentes.
Os dados estatísticos oficiais sobre a evolução da pobreza foram interrompidos em 2013, durante o governo de Cristina Kirchner (2007-2015), quando se suspeitava que os números do instituto estatístico INDEC eram manipulados. O novo governo anunciou que esses dados poderão ser divulgados novamente até o final de 2016.
Macri assumiu a presidência após insistir em sua campanha que uma de suas prioridades será uma Argentina "com pobreza zero". Essa promessa é lembrada a todo instante.
O aumento da pobreza se dá em um contexto de inflação acima dos 30% ao ano, com grandes aumentos de tarifas de serviços básicos como transporte (100%), eletricidade (500%), água (500%) e gás (300%), além de alta nos preços dos alimentos e dos combustíveis. Isso leva angústia e a projeções nada positivas.
"Se pelo menos no curto prazo não se conseguir atenuar os aumentos de preços nos produtos e serviços básicos e/ou reativar a demanda de emprego, se estará cada vez mais distante de uma melhora genuína na distribuição de renda e dificilmente se poderá reverter a tendência ascendente que se registra nas taxas de indigência e de pobreza urbana", advertiu a UCA por meio de um relatório a respeito da situação.
Sobre a indigência, a UCA reportou um crescimento de 1,6 ponto percentual (640 mil pessoas) no primeiro trimestre deste ano em relação a 2015.
Conforme o estudo que relevou um universo de 5.683 moradias em centros urbanos de todo o país, a indigência chega a 6,9% da população no fim dos primeiros três meses de governo de Macri (2,7 milhões de pessoas).
Agustín Salvia, diretor do Observatório da Dívida Social Argentina da UCA, que elaborou o relatório, diz: “É muito provável que, devido ao processo de demissões e à alta dos preços de alimentos e tarifas” no próximo semestre se observe um crescimento da pobreza e da indigência". As previsões são aterradoras.
"Essa situação só poderá ser compensada pela via de aumentos nas ajudas sociais e a reativação do mercado de trabalho", acrescenta
Não são, aparentemente, as prioridades...