Dois números são o inferno e o céu para o presidente da Argentina, Mauricio Macri. O céu: o retorno da Argentina aos mercados está se tornando um sucesso, com uma demanda de mais de US$ 70 bilhões para sua emissão de dívida, conforme apuração da agência France Presse. A Argentina propôs aos investidores títulos com vencimentos a 3, 5, 10 e 30 anos. A quantia obtida permitirá em particular indenizar os fundos especulativos chamados "abutres". As taxas de juros devem oscilar entre 6% e 8%, de acordo com os títulos. É a maior captação de fundos na Argentina em 20 anos. Os bancos Deutsche Bank, HSBC, JP Morgan, Santander, BBVA, Citigroup e UBS foram escolhidos para realizar a operação, que começou na segunda-feira. E, dito o que para Macri é o "céu" capaz de resolver seus principais problemas no início de um governo já acossado pelos sindicatos, vamos agora falar sobre o inferno: depois de surfar numa popularidade próxima dos 70% em janeiro, Macri se vê com 50%, conforme a média das pesquisas. Alto? Sim, ainda. Mas a queda é vertiginosa, embalada por outras cifras terríveis, que são os aumentos nas tarifas públicas.
O pagamento aos credores especulativos marca a volta argentina aos mercados internacionais após 15 anos e o fim da política de endividamento.
– A Argentina está de volta, espero que possam desfrutar – entusiasma-se o ministro argentino da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, de Washington, onde participou da reunião de primavera (boreal) do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
Para se lançar ao mercado, o governo preparou um prospecto confidencial de 256 páginas a eventuais interessados, cujo conteúdo antecipou no domingo o jornal Ambito Financiero.
Ali se confirma a emissão de três bônus sob a jurisdição de Nova York e que em caso de default, Buenos Aires deverá voltar a se submeter aos tribunais dessa cidade, onde obtiveram uma decisão favorável os detentores de bônus que litigaram após rejeitar as reestruturações de 2005 e 2010 pela dívida em moratória desde 2001.
O documento que inclui uma contextualização política da terceira economia da América Latina determina que os novos títulos vençam em 2021 (Série A), 2026 (B) e 2046 (C) e que novamente o Bank of New York Mellon (BoNY) será o agente de registro, pagamento e transferência.
Além disso, se compromete a suspender o processo que o governo de Cristina Kirchner (2007/2015) abriu contra o BoNY, que bloqueou os pagamentos aos credores que aderiram à reestruturação por ordem do juiz Thomas Griesa.
Na equipe econômica há otimismo pela "assombrosa demanda" de títulos, como classificou Prat-Gay, que na quarta-feira passada celebrou a decisão da corte de apelações de Nova York, que autorizou o retorno de Argentina aos mercados.
Esta decisão busca facilitar que o país avance em sua oferta lançada em fevereiro e aceita por 90% dos 'holdouts'. A Argentina alcançou pré-acordos por aproximadamente 8,25 bilhões de dólares.
– A Argentina é o país da moda para os investidores. A saída do default em tão pouco tempo, voltou a colocar o país entre os interesses dos investidores – disse, em Washington, Hernán Lacunza, ministro da Economia da província de Buenos Aires, maior distrito governado pela coalizão de centro-direita macrista.
Já na segunda-feira, o país começou a receber ofertas para bônus de ao menos US$ 12,5 bilhões em sua volta aos mercados internacionais da dívida.
O FMI elogiou no sábado as medidas tomadas na Argentina para "pôr a casa em ordem". Entretanto, o titular do Comitê Financeiro do organismo, o mexicano Agustín Carstens, advertiu que os argentinos deverão suportar "no curto prazo algumas medidas difíceis de digerir".
O governo que assumiu em dezembro prometeu baixar drasticamente no segundo semestre a inflação, que acumula 12% no primeiro trimestre, de acordo a consultoras ante a ausência de estatísticas oficiais.
O presidente advertiu no domingo que os argentinos deverão ser "mais austeros e cuidadosos e emitir menos quantidade de pesos" para frear a espiral inflacionária.
E aí entra a imagem positiva de Macri, que, conforme o consultor Raúl Aragón, está precisamente em 50,1% o que atribuiu ao "ajuste da economia".
As tarifas de serviços como gás, luz, água e transporte sofreram aumentos de 200% a 700% sem que tenham tenham ainda chegado a um acordo sobre os reajustes de salários em negociações coletivas.
O FMI anunciou que voltará em setembro à Argentina para a revisão anual econômica conhecida como artigo IV, pela primeira vez desde que em 2006 o ex-presidente Néstor Kirchner (2003/2007) saldará a dívida de 9,5 bilhões de dólares, no marco de sua política de desendividamento.
O organismo prevê que a Argentina se contrairá 1% em 2016 e crescerá 2,8% em 2017. Prat-Gay, contudo, afirma que o crescimento será "algo parecido a zero" neste ano e de "entre 3,5 a 4 pontos" no ano que vem.
Apesar dos prognósticos desalentadores, em 2015, a economia argentina cresceu 2,1%, segundo estatísticas oficiais.