Durante estas últimas férias, tive vários filhos. Não foi tão trabalhoso, porque eles nasceram falando e caminhando. Também estive em lugares exóticos, uns no passado e outros inexistentes. Tive, como todo viajante, momentos difíceis: perdi objetos importantes, os quais procurei sem sucesso, embora nessa busca tenha encontrado certas coisas estranhas. Disse bobagens para pessoas que amo, fui maltratada por outras a quem não sabia que mal havia feito. Me desencontrei de muitos vivos, em compensação, tive bons papos com alguns mortos.
Como você vê, viajei para o mundo dos sonhos. Durante a correria do dia a dia, acordo muito acelerada, e os sonhos escapam rapidinho, por isso sonho nas férias. Quando despertamos, eles são como gatos ariscos, se insinuam, espiam assustados, se ficarmos bem tranquilos, deixam-se ver, mas a qualquer gesto brusco, ao mínimo som, desaparecem.
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Durante as férias, podemos demorar nessa espécie de limbo, onde fica o portal de acesso à produção onírica, pelo qual passamos antes de ligar a máquina do cérebro. Existem felizardos que, mesmo em pleno inferno laboral ou de estudos, conservam intacta sua capacidade de lembrar das jornadas imaginárias noturnas. Invejo-os, chegam ao café da manhã cheios de aventuras para contar, enquanto eu só tenho pensamentos atabalhoados pela chata burocracia neurótica do dia a dia.
Sonhar é imprescindível para descansar. Sem essa faxina das pendências diurnas que ficam atazanando nossa mente não conseguiríamos desligar, por isso, lembrando-os ou não, é certo que os tivemos. Para os sortudos que os lembram, acaba sendo uma linda e divertida forma de conhecer-se. Não adianta consultar dicionários de sonhos, embora as leituras populares dos símbolos oníricos têm sido tão difundidas que até podem influenciar em nossas associações.
Nos divãs dos analistas, associando livremente ao contar um sonho, chegamos à compreensão de parte do seu significado. Foi assim que descobrimos que eles são o ponto de encontro do dia a dia com nossos grandes segredos. Em geral, as pontas soltas que precisamos atar durante a noite são do tipo que nos envergonha até pensar, mas outras apenas são caprichos da nossa criança mimada interior.
É bacana, pois, admitindo que à noite nos tornamos essas criaturas doidonas, cheias de contradições e faniquitos, certamente seremos bem mais tolerantes uns com os outros durante a vigília. E sempre tem a vantagem dos roteiros serem criativos, as passagens acessíveis e o câmbio estável. Pena que provavelmente só voltarei para lá nas próximas férias.
P.S.: É um prazer estar aqui no caderno Vida. Tentarei compartilhar o que aprendo para lançar alguma luz em nossos cantos escuros.
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