A Odebrecht construiu sua primeira hidrelétrica na divisa da Bahia com Goiás em 1952. Desde então, sabe-se que as empreiteiras mantêm com o mundo político relações, digamos, íntimas. Elas estão no centro do processo de corrupção pelos valores das grandes obras, mas há outros setores que também se dedicam a comprar facilidades. Nesta lista, se deveria acompanhar a ação das teles, defendidas por Eduardo Cunha; os lobbies da indústria de medicamentos, do agronegócio, dos fertilizantes, dos bancos, da mídia, entre outros. Nunca antes na história do Brasil essa usina de corrupção foi perturbada pela Justiça. Até que surgiu a Lava-Jato e se passou a montar um mapa dos infindáveis propinodutos que estruturam o Poder.

É pelas possibilidades virtuosas da Lava-Jato - e não por seus erros e precipitações - que há duas grandes pizzas encomendadas em Brasília. A primeira, pelo PT, para salvar Lula. A receita envolve o foro especial mais uma articulação que preserve, além da alma viva mais honesta, os imaculados Aécio, Renan e Temer. A segunda pizza, já posta no forno, é um pedido especial de antigos clientes, o PMDB e o PSDB. Por ela, se apressa o impeachment, ainda que a base jurídica do processo (as pedaladas fiscais) seja notavelmente frágil. Se tudo correr como desejam o correntista suíço e seus aliados, Temer assume o governo, segura a Polícia Federal e articula a "moderação" da Lava Jato. O povo que saiu às ruas para protestar contra o PT terá voltado para casa satisfeito e os negócios serão retomados, inclusive com as empreiteiras.

Para além da discurseira de governo e oposição, há interesses comuns de impunidade. O que foi verbalizado por Lula ao afirmar que seria capaz de colocar o pessoal da Lava Jato "no seu lugar" e por Serra quando, referindo-se já a um futuro governo Temer, defendeu que não poderia haver caça às bruxas, inclusive quanto ao PT. Na história, todas as bruxas viveriam felizes para sempre. Reside neste final distópico a possibilidade que mais confortaria a Casa Grande.

Quando se fala em garantias no processo penal, tratamos da Civilização. Não por acaso, elas são desprezadas no Brasil. Se dependesse dos tigres, não haveria sequer processo, mas patíbulos e fogueiras. Quando a Lava-Jato desconsidera garantias, permite que os suspeitos, ao invés das explicações que devem, ocupem com desenvoltura o papel de vítimas. Observe-se, por exemplo, que a Lei das Interceptações telefônicas (Lei nº 9.296/1996) determina o sigilo das gravações (art. 8º) e também a inutilização dos conteúdos que não interessarem à prova (art. 9º). Não se pode sustentar a normalidade da divulgação de conversas privadas. Se essa fosse a regra, nem Madre Teresa sairia incólume (aliás, segundo evidências sistematizadas por Christopher Hitchens, há razões para duvidar da bondade da freira albanesa: https://goo.gl/8r5M7u).

É lamentável que os governos do PT tenham recrutado especialistas em corrupção, desde Marcos Valério até os diretores da Petrobras. O que envolveu não apenas o enriquecimento ilícito dos operadores, mas um projeto de poder. As dimensões do esquema descartam a hipótese das "maçãs podres", apontam para um cesto degradado e assinalam clara violação do ideal democrático. Por isso, os governos do PT ocuparam o centro das dinâmicas da corrupção, papel até então desempenhado pelos governos do PSDB.

A solução republicana para a crise exige o aprofundamento das investigações da Lava-Jato, a condenação dos responsáveis pelos desvios de recursos e, caso se demonstre que a campanha presidencial foi ilicitamente financiada, o afastamento de Dilma e Temer pela cassação da chapa via Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Afinal, não há legitimidade do voto em eleições viciadas pela corrupção. Nesse caso, tomada a decisão em 2016, haveria eleição presidencial em 90 dias. Esse caminho legitimaria um novo governo, mas não serve aos maiores partidos que, também aqui, se irmanam contra o Brasil. A exigência terá que ser construída por fora da tradição e contra ela: pelo debate público e com o povo convocado às urnas. Com a palavra os ministros do TSE.

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