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As negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) são históricas. O acordo deveria ter sido fechado em 23 de março. O principal empecilho foi a resistência das Farc em estabelecer data para depor as armas. O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, exige isso como algo essencial.
Mas havia outro problema: a segunda guerrilha não aderira ainda às negociações. Pronto, esse obstáculo já está sendo removido.
E países como Brasil e Venezuela servirão de palco para o diálogo.
O governo da Colômbia e a guerrilha do ELN anunciaram em Caracas o início de um processo de paz, que se soma ao celebrado em Cuba com as Farc para acabar com meio século de conflito armado no país.
As partes "concordaram em instalar uma mesa pública de diálogos para abordar os pontos estabelecidos na agenda, com a finalidade de subscrever um acordo final para pôr fim ao conflito armado e estabelecer transformações em busca de uma Colômbia em paz e equidade", destacou uma declaração lida pelos líderes das delegações: Frank Pearl, por parte do governo, e Antonio García, do ELN.
A mesa será montada no Equador, enquanto as sessões de diálogo serão celebradas também em Brasil, Venezuela, Chile e Cuba, que junto com a Noruega serão os "garantidores" do processo, acrescenta o acordo assinado por Pearl e García na Chancelaria venezuelana.
O governo do presidente Juan Manuel Santos e o Exército de Libertação Nacional (ELN, guevarista) - segundo grupo rebelde colombiano depois das Farc - também combinaram que as conversas serão "diretas e ininterruptas" e que se executará a agenda de seis pontos com a maior celeridade e rigor.
Os temas são: participação da sociedade na construção da paz, democracia para a paz, transformações, vítimas, fim do conflito armado e implementação dos acordos. Na declaração, as partes destacam que o objetivo é "erradicar a violência da política, colocando no centro do tratamento a situação das vítimas e avançar para a reconciliação nacional mediante a ativa participação da sociedade na construção da paz estável e duradoura".
Santos disse que o processo de paz terá uma "natureza muito diferente" da que se celebra com as Farc porque são guerrilhas "muito diferentes".
"As conversas públicas, às quais daremos início com o ELN, têm uma natureza muito diferente do processo de Havana, porque o ELN e as Farc são organizações muito diferentes", disse o presidente Santos em declarações públicas da Casa de Nariño, sede do governo.
"Os processos com as Farc e o ELN são diferentes, mas o fim do conflito é um só", acrescentou Santos, em alusão às negociações com as Farc, a principal e mais antiga guerrilha do país, que avançam há três anos em Cuba.
O começo das negociações entre o governo e o ELN foi anunciado após uma fase de diálogos exploratórios realizados entre janeiro de 2014 e março de 2016 em Brasil, Equador e Venezuela.
Antes do anúncio, Pearl, García e o líder rebelde Pablo Beltrán se reuniram a pedido da chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, na Casa Amarela, sede do Ministério das Relações Exteriores.
"Aqui estamos, na Venezuela, comprometidos definitivamente com a paz da Colômbia, dando um passo histórico que não pode dar outra coisa a não ser felicidade à Colômbia, à Venezuela, à região e à comunidade internacional", disse Rodríguez a jornalistas, acompanhado de Beltrán e García, vestidos com camisas vermelhas.
As Farc elogiaram o início das negociações de paz em Caracas entre o governo e o ELN, denominando-o de "um momento histórico para a Colômbia".
"A delegação de Paz Farc-EP comemora o início da etapa pública de diálogos ELN-Governo pela paz da Colômbia", escreveu nesta quarta-feira no Twitter o chefe negociador das Farc em Havana, Iván Márquez, ressaltando que "ELN e Farc-EP com o povo, juntos para a paz com justiça social: momento histórico para a Colômbia".
"Um processo com o ELN significa que a Colômbia tem a oportunidade de encerrar completamente os 52 anos de conflito armado agora com os dois grupos guerrilheiros", disse, à agência de notícias France Presse (AFP), Kyle Johnson, analista do International Crisis Group (ICG).
Agora que o governo e as Farc estão na reta final para alcançar um acordo de paz, "o 'pós-conflito' não seria completo em todas as regiões do país sem um processo de paz bem-sucedido com o ELN", acrescentou.
O especialista alertou, porém, para os "desafios" tanto políticos, por prazos e simultaneidade com o processo com as Farc, quanto metodológicos, pelas próprias características do ELN como organização, que toma decisões por consenso.
Fundado em 1964 sob influência da revolução cubana e da Teologia da Libertação, o ELN tem atualmente 1.500 combatentes em suas fileiras, mas conta com uma ampla rede de apoio de milicianos e simpatizantes em todo o país, segundo fontes oficiais.
"O ELN é menos pragmático do que as Farc e não funciona tanto quanto uma organização vertical, o que tornou mais complexa a negociação de um mapa do caminho", destacou uma fonte do governo.
A fase exploratória com o ELN, que avançou sem um cessar-fogo - ao qual Santos se opunha por considerar que poderia fortalecer o grupo rebelde - pareceu estagnada em fevereiro.
Este mês a guerrilha executou múltiplos atentados em todo o país para comemorar o 50º aniversário da morte do sacerdote Camilo Torres, ícone do grupo abatido por militares, e de outros dirigentes emblemáticos como Domingo Laín e Gregorio Manuel Pérez, "El Cura Pérez".
No entanto, nos últimos dias, o ELN deixou em liberdade o funcionário Ramón José Cabrales, há mais de seis meses mantido em seu poder, e o militar Jair de Jesús Villar. Ambas as libertações eram uma condição imposta por Santos para iniciar qualquer negociação na fase pública.
O conflito colombiano, que começou como um levante camponês nos anos 1960, enfrentou durante mais de 50 anos guerrilhas de esquerda, paramilitares de direita e forças públicas. Deixa pelo menos 260.000 mortos, 45.000 desaparecidos e 6,8 milhões de deslocados.
A União de Nações Sul-americanas (Unasul) elogiou o início das conversações entre o governo da Colômbia e o ELN. "O anúncio do início das conversações de paz entre o governo da Colômbia e o ELN é a peça que faltava para completar o processo de paz que atualmente avança em Havana com as Farc", diz comunicado do organismo.
Conheça o ELN, a guerrilha com raízes em Cuba e na Teologia da Libertação
A guerrilha colombiana do ELN nasceu inspirada na revolução cubana e marcada por uma forte influência religiosa. O Exército da Libertação Nacional (ELN, guevarista), surgido em 1964, tem entre seus fundadores e figuras mais emblemáticas os sacerdotes Camilo Torres (1929-1966) e Manuel Pérez (1943-1998), expoentes da Teologia da Libertação (TL), uma corrente nascida dentro da Igreja católica na América Latina com ênfase na aproximação com os pobres.
Mas, além desses religiosos, e de outros seguidores da Teologia, este grupo guerrilheiro é formado desde o início por setores universitários e membros radicais do Partido Liberal colombiano, seguidores de Ernesto "Che" Guevara.
Atualmente, o ELN é a segunda guerrilha colombiana depois das Farc, com 1.500 combatentes, segundo o governo, e centra sua influência nas zonas mineradoras e petroleiras do país.
Seu comandante, Nicolás Rodríguez Bautista, mais conhecido como "Gabino", pertence ao grupo rebelde desde que era um menino de 12 ou 13 anos, e promoveu sob sua liderança uma agenda nacionalista e centrada no controle dos recursos naturais do país.
Integrante do Comando Central (COCE) do ELN junto aos comandantes Eliécer Herlinton Chamorro Acosta ("Antonio García"), Israel Ramírez Pineda ("Pablo Beltrán"), Gustavo Aníbal Giraldo Quinchía ("Carlos Marín Guarín" ou "Pablito") e "Ariel", todos na clandestinidade, "Gabino" reiterou em várias ocasiões seu desejo de iniciar negociações de paz com o governo.
As discussões na fase sigilosa com os representantes do presidente Juan Manuel Santos tiveram início em janeiro de 2014, mas há apenas algum tempo alcançaram um mapa da paz para instalar uma mesa formal de negociações.
Segundo fontes militares, o ELN tem forte influência em diferentes zonas da Colômbia, em particular fronteiriças com a Venezuela, como os departamentos de Arauca (leste) e Norte de Santander (nordeste), e com o Equador, como Nariño (sul), e também no centro do país, em Casanare, Boyacá e sul de Bolívar, assim como no Chocó (noroeste) e Cauca (sudoeste).
E, apesar de décadas atrás esta guerrilha se negar a ser financiada pelo narcotrráfico, relatórios acadêmicos e militares envolveram o ELN no cultivo de folha de coca e produção de cocaína. Também foi assinalado como intermediário no desenvolvimento da lucrativa mineração ilegal.
Por outro lado, o ELN sequestrou nos últimos anos funcionários de multinacionais mineradoras e petroleiras, e cometeu atentados contra infraestruturas desses setores, para protestar contra a exploração por companhias estrangeiras dos recursos naturais do país.
Os analistas acreditam que, devido às diferenças de prioridades, as negociações com o ELN e com as Farc devem ser conduzidas em processos de paz paralelos.
O ELN realizou, sem sucesso, no passado tentativas de paz: uma no início dos anos 1990 com o então presidente César Gaviria (1990-94), e outra durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010), atualmente senador.
Ex-refém diz que paz sem o ELN seria "manca"
"Uma paz sem o ELN é como uma mesa manca", disse o último refém libertado por esta guerrilha, horas antes de o governo da Colômbia e o grupo rebelde anunciarem o início do processo para pôr fim a meio século de violência.
Ramón José Cabrales, o funcionário público libertado na quarta-feira passada no nordeste do país, falou com a AFP antes de dar entrada em um hospital de Bogotá para saber quais sequelas ficaram dos 203 dias que passou em cativeiro.
"Se (minha libertação) era o obstáculo, não existe mais! Mas que se sentem de uma vez", disse o conselheiro do governo do norte de Santander (nordeste), que completou 40 anos enquanto estava em poder da guerrilha.
A entrega de Cabrales, após quase sete meses mantido refém na região de Catatumbo, em plena floresta, na fronteira com a Venezuela, era condição imposta por Juan Manuel Santos para instalar a mesa formal de conversações de paz com o ELN, como as celebradas há três anos em Cuba com as Farc
Cabrales via distante a possibilidade de ficar livre, mas nem pensava em fugir.
"Teria sido muito difícil sair com vida", admitiu.
Desde 14 de dezembro estava acorrentado. E no Natal, perdeu a esperança. "'Me matem!', dizia aos seus captores 'Estou cansado, me matem!'", contou.
O sequestro foi uma fonte importante de financiamento para grupos armados ilegais que agiram na Colômbia nas últimas cinco décadas. Segundo o Centro de Memória Histórica, houve mais de 27.000 entre 1970 e 2010.
Cabrales foi levado por homens armados na tarde de 3 de setembro de 2015, quando voltava com o pai de apanhar limões em uma casa de campo perto da cidade de Ocaña, no norte de Santander, onde mora sua família.
Pagar pela liberdade?
Cabrales não conseguiu situar o local onde, por fim, abraçou a esposa na quarta-feira passada, mas lá estava ela, acompanhada de um de seus dois "anjos anônimos", párocos da região que a ajudaram a negociar a libertação do marido com o grupo rebelde.
"Tinham dito que um membro da minha família estava chegando, mas não sabia que era Meliza. Foi muito corajosa", revelou, com um sorriso que apertou seus olhos, inclusive o direito, onde tem uma prótese desde os 15 anos.
"Cheirava muito mal. Me perguntaram, 'você não vai se trocar? Nós te trouxemos roupa nova. Eu disse a eles que não (...) Agarrei minha roupa velha (...), ficou enorme", exclamou, mostrando o corpo, 24 quilos mais magro.
Cabrales soube agora que sua mulher, Meliza Castro, se reuniu cinco vezes com um comandante do ELN que, escoltado por uma dúzia de homens armados, oferecia suco e almoço, enquanto exigia milhões pela libertação do seu marido.
"No último encontro, a quantia diminuiu. Pediam 4 bilhões (de pesos, 1,3 milhão de dólares), algo impagável para uma família como nós, mas a princípio chegaram a nos pedir 10 bilhões (de pesos, 3,3 milhões de dólares)", lembrou a mulher de Cabrales, sem revelar quanto acabou pagando finalmente.
"Se você me pergunta se este foi um gesto político de parte do ELN, ,tenho minhas reservas porque, embora possa ser um gesto, pois finalmente estou fora, houve um componente econômico", disse Cabrales, para quem "sem sombra de dúvidas" a pressão do governo ajudou a baixar o montante - na terça-feira, as autoridades disseram ter insistido em que a entrega ocorresse por dinheiro.
O funcionário contou que sua família inclusive ficou devendo uma parte aos rebeldes. "Não entenda como uma ameaça, mas nos desagradaria muito que o senhor não viesse dar as caras", disse ter ouvido. "Por isso também vim para Bogotá", acrescentou.
E porque na capital há condições melhores para superar as feridas que as correntes lhe deixaram. "Você pode ficar amarrado a uma árvore ou a uma cama, mas acorrentado é acorrentado", afirmou, tocando a cabeça como se dissesse que a dor ficou ali.
"Não sei o que vai ser da minha vida a partir de agora", suspirou.