Eu brincava de princesa, mas nunca me acostumei em nenhuma fantasia. Agora que o Carnaval acabou, é hora de dar adeus aos chinelos, à camiseta velha e vestir as verdadeiras fantasias. Essas que apertam e pinicam, que usamos o ano todo, sempre inseguros de estar sendo convincentes. A avenida onde desfilamos e somos julgados descortina-se diariamente para fora da porta de casa, à luz do sol.
Tenho enorme saudade de uma fantasia que nunca usei no Carnaval, quando fingia ser uma personagem e ainda consigo lembrar do prazer de sentir-me na pele dela. "Meu nome é Branca de Neve" - eu respondia, com a maior cara de pau. Como devia ter uns cinco anos, não consigo lembrar do quão profunda era minha convicção. Moradora de uma cidade litorânea, eu costumava brincar na calçada em frente à confeitaria da minha família. Chamava a atenção dos veranistas até que perguntassem meu nome, só para ter a satisfação de dizer que eu era Branca de Neve. Não precisava me fantasiar, bastava pensar e eu "era".
Os turistas insistiam: "mas qual é teu nome de verdade?" Eu simplesmente repetia: "Branca de Neve". No fim cediam, achando graça. Era mais natural ser essa falsa princesa do que é hoje escolher uma imagem para usar na rua. Vale a lembrança do episódio porque na minha mentirinha infantil eu não os estava enganando, estava brincando de me convencer através do olhar dos outros.
É muito mais tranquilo quando é tácito que ninguém de fato acredita no que está bancando, pois não somos piratas, odaliscas, nem personagens da Guerra dos Tronos. Mas passaremos o resto do ano tentando que não se note que estamos com a roupa das nossas personagens favoritas: executivos confiáveis, profissionais bem sucedidos, homens e mulheres sedutores, surfistas cool, intelectuais despojados, hipsters criativos, esportistas sarados, mães dedicadas, entre outros. Qual seria o seu? A fé de que mais carecemos é na veracidade dessa versão. Sabemos como é trabalhoso torná-la convincente, o medo de ser desvelados, de que descubram o blefe que somos, nos persegue.
A moda lucra em cima dessas fantasias que temos que passar a vida toda usando. São os que nos dizem a forma "certa" de parecer. Há quem dedique a maior parte do seu tempo a isso, adaptando não somente os trajes mas também o corpo. E se admitíssemos que nossa imagem não passa de uma espécie de brincadeira que levamos a sério demais? É mais fácil quando todos sabemos, como as crianças quando brincam, estar fingindo: "agora a gente era" tal ou qual coisa, está combinado e pronto. O Carnaval não tem primado pela criatividade, entre voluptuosidades e paetês, nada a declarar. Espero que no resto do ano sejamos mais divertidos.
Diana Corso escreve quinzenalmente neste espaço.
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