Juízes são as autoridades mais respeitadas e consideradas pelos brasileiros no atual momento da vida nacional. É o que demonstra uma pesquisa recente do instituto Ipsos Brasil, que submeteu à avaliação dos entrevistados 20 personalidades da classe dirigente do país. Os três melhor avaliados foram o juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão, e a atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia. Os políticos, evidentemente, ficaram muito abaixo dos magistrados no julgamento popular.
Significa que o Judiciário é sempre sábio, independente e equilibrado nas suas decisões? Nem tanto. Nesta semana mesmo, a Folha de S. Paulo fez uma reportagem comparando as penas aplicadas a um executivo da maior empreiteira do país que participou do propinoduto da Petrobras, desviando cerca de R$ 1,9 bilhão de recursos públicos, e a uma manicure analfabeta que roubou pacotes de fraldas num supermercado de Brasília. Ambos pegaram sete anos e meio de cadeia, a mesma pena. Parece-lhes justo isso?
Vamos às considerações. Obviamente, os dois acusados não foram julgados pelo mesmo juiz, nem pelo mesmo tribunal. Mas não foi isso o que determinou a injusta igualdade de penalização para crimes tão desiguais. Foi muito mais, reconhecem os especialistas ouvidos a respeito do assunto, a disparidade social entre os dois personagens. Na opinião do professor da USP Mauricio Dieter, ouvido na reportagem, essa desigualdade é perceptível porque a condenada pelo furto dificilmente teve acesso à melhor defesa, enquanto o autor de crime de colarinho branco contou com bons advogados, provavelmente foi à audiência de terno e gravata e não se duvide de que seus filhos estudem na mesma escola dos filhos do juiz.
A própria legislação favorece os criminosos mais sofisticados. Há, por exemplo, uma lei que prevê a chamada extinguibilidade da pena para sonegadores que devolvem os recursos desviados, enquanto em casos de furto, mesmo que a pessoa devolva o objeto, a pena é mantida. Culpa dos legisladores, dirão os juízes. Até pode ser. Mas, como todos sabemos, sempre há margem para uma interpretação mais adequada e humana do Direito. O exemplo clássico é o do Rei Salomão diante das duas mães que disputavam a mesma criança. Cortar o bebê em dois poderia parecer uma divisão justa, mas não para a busca da verdade, que também é feita de humanidade e afeto.
A população, aterrorizada pela violência e pela roubalheira, exige mais espada e menos balança de parte da Justiça, mas os julgadores não podem vendar os próprios olhos para atender a esse clamor popular. É bom saber que há ótimos juízes no Brasil e que eles contam com o reconhecimento dos cidadãos. Mas não é bom que sejam transformados em heróis nacionais, como se fossem vingadores dos oprimidos. O melhor para todos e para a própria democracia é que os juízes sejam apenas juízes, rigorosos quando tiverem que ser rigorosos, sensíveis quando o caso exigir visão social e obsessivos sempre na busca da melhor justiça.
A delação premiada, que os procuradores e os juízes preferem chamar de colaboração, impulsionou a Lava-Jato, mas também acentuou as distorções nas penas impostas a criminosos de diferentes calibres. Os delatores têm recebido descontos tão generosos de suas penas, que, em alguns casos, ficam presos menos de um terço do tempo previsto pela condenação. Veja-se, por exemplo, a situação do doleiro Alberto Youssef, peça-chave no esquema de corrupção da Petrobras. Condenado a mais de cem anos de prisão, em diversos processos, conseguiu negociar também a delação, e ficou com apenas três anos em regime fechado, dos quais já cumpriu dois anos e oito meses. O restante será cumprido em regime domiciliar no seu apartamento do Parque Ibirapuera, zona nobre de São Paulo, num condomínio de luxo com piscina, academia e segurança privada.
Pode isso, Arnaldo?
– Pode! – responderia o comentarista esportivo, se fosse assim questionado. E, certamente, complementaria irônico:
– Desde que você não roube um pacote de fraldas.