Quando um time muda 180 graus em três dias, é impossível não cogitar as razões pelas quais metamorfose tão drástica tenha acontecido. Não se trata de magia, não é o mundo de Asterix e Obelix, onde uma poção mágica fazia o exército gaulês resistir à dominação francesa. Já se viu em outro tempo e noutra circunstância, não é exatamente uma surpresa, mas sempre choca. O exemplo mais recente é o do Flamengo contra o Corinthians, jogo de ida das semifinais da Copa do Brasil. Haverá outros em sua memória de torcedor do Grêmio ou do Inter.
Num dia, você vê a atuação do seu time e teme pelo pior. Rebaixamento, perda da vaga ou do título. Não há por onde melhorar, o esgotamento e a fadiga dos metais tornam qualquer reação inviável. Aí, a direção troca o treinador, e o que chega consegue, com muita conversa e pouco treinamento, transformar apatia, cansaço e desinteresse em motivação, concentração e foco. Ato contínuo, a torcida é brindada com uma evolução espetacular e se vê entre a incredulidade e a euforia. Por que, afinal, os mesmos caras passaram a se comportar de uma forma tão diferente para melhor?
O Inter viveu cena parecida recentemente. O trabalho de Eduardo Coudet havia chegado num nível tal de esgotamento que a direção o demitiu entre duas partidas eliminatórias da Copa do Brasil. Roger Machado chega e tem entrevistas individuais com todos os jogadores do elenco. Pergunta a cada um como ele, Roger, pode ajudá-los a melhorar. Apresenta uma outra ideia tática e propõe outro tipo de treinamento.
A partir daí, ou o jogador compra o que lhe está sendo oferecido ou o que estava ruim vai ficar pior. Basta ver a extraordinária melhora de desempenho e resultados do Inter para perceber que a decisão do grupo foi fechar com o novo comandante. O Inter faz campanha ascendente e caminha com solidez rumo à vaga direta de Libertadores. Entre tantos méritos de Roger Machado no novo momento colorado, a redenção de Alan Patrick é o que mais chama atenção.
Neste sábado (5), o meia-armador estará em campo outra vez de braçadeira para guiar o time contra um Corinthians desesperado para sair do Z-4 e aliviado por estar ainda vivo nas semifinais Copa do Brasil, onde poderia ter sofrido goleada histórica do Flamengo quarta-feira passada no Maracanã. É aqui que entra o mais novo e fulminante exemplo de time que muda da água para o vinho. O Flamengo de Filipe Luís.
Que Tite e Flamengo tinham DNA incompatíveis, está posto. Esperava-se uma melhora, ainda que discreta, pelo simples fato de sua saída. Flamenguistas sonhavam com uma evolução rápida para o curto prazo, talvez ganhando com sangria o jogo da ida no Rio de Janeiro e empatando o da volta para, aí sim, chegar forte e mudado para a decisão contra São Paulo ou Vasco da Gama.
No entanto, no Maracanã esvaziado pela patética direção do Flamengo, que praticou preços noruegueses para o jogo contra o Corinthians, o time comandado por Filipe Luís lembrou o de Jorge Jesus em muitos momentos dos 90 minutos. Havia uma intensidade, um interesse e uma organização acima de qualquer expectativa. É verdade que o novo técnico tomou a acertada providência de simplificar as escolhas. Léo Ortiz fez grande atuação de zagueiro, saiu Fabrício Bruno. Wesley tornou vigorosa a lateral-direita, saiu Varela. E, especialmente, Gabigol devolvido à titularidade levou Bruno Henrique de volta ao corredor esquerdo e centrou Arrascaeta no que sabe fazer de melhor, o enganche.
Porém, embora as decisões tomadas pelo técnico para montar o time titular tenham sido acertadas, o que chamou a atenção acima de tudo foi o ânimo renovado de todos que calçavam chuteiras e vestiam vermelho e preto. Todos os jogadores em campo foram à exaustão; a performance do Flamengo era para uma goleada histórica, talvez um 5 a 2 irreversível para a volta em Itaquera. Não foi o que aconteceu.
O desperdício, que já era alto com Tite, não diminuiu com o novo comandante. Nove chances reais de gol para uma só convertida é de lamentar profundamente. Afinal, por mais fragilizado que esteja, o Corinthians tem escudo, bandeira, torcida e ambiente para abrir a decisão da vaga a pênaltis. Filipe Luís terá muito tempo para treinar até o jogo da volta, mas parte destes trabalhos não contará com os selecionáveis.
Ao fim e ao cabo, foi desproporcional a melhora de performance do Flamengo com o resultado alcançado. Por outro lado, este desempenho tão melhor do que os anteriores baseia a esperança de que o Flamengo pode até mesmo ganhar o jogo em São Paulo. Neste caso, teremos vivido no futebol brasileiro outra cena catártica que animará os dirigentes a demitir o treinador fragilizado em busca do chamado fato novo.