O contexto transitório em que a CBF colocou a Seleção Brasileira é um grande equívoco e suas consequências não vão tirar o Brasil da Copa de 2026, mas vão atrasar a montagem e consolidação do time. Fernando Diniz é excelente treinador, mas não tem pontos de conexão em seu trabalho com Carlo Ancelotti, suposto treinador definitivo a partir de 2024. Não há como estabelecer uma ponte entre um trabalho e outro se os profissionais não trazem semelhança em seu pensar futebol.
O fiasco da Seleção contra Venezuela foi preocupante porque se repetiram em novas mãos os erros mais recorrentes do time brasileiro. Tudo de bom e de ruim da Seleção começa em Neymar, tem sido assim desde que virou o 10 do Brasil. A diferença ruim do momento é que se trata de um Neymar menos competitivo, mais irascível e errático. Seu comportamento contra a Venezuela foi irresponsável; estava pendurado, não parou de falar com o juiz. Dava até a impressão de estar forçando o cartão que o tiraria do confronto com o Uruguai em Montevidéu, tamanha sua insistência em conversar com o árbitro e sua série infinita de pequenos conflitos com seus marcadores.
À medida em que o jogo ficava mais difícil, mais aparecia o Neymar que ninguém quer ver de amarelo. Disperso, desconcentrado e, como filme repetido, preocupado em cavar faltas e pênaltis inexistentes.
Mas impressionou também a pobreza de repertório tático de um técnico tão autoral como Fernando Diniz. O Brasil passou toda a noite atacando por um lado só, o esquerdo. Vinicius Junior não fez boa partida, Rodrygo se deslocava da direita para auxiliá-lo e Neymar andava também por ali. Nada disso levou o Brasil a ser criativo, proporcionar chances de gol claras que rendessem mais do que o 1 a 0 de bola parada do início do segundo tempo.
Aí, se chega à outra dificuldade que precisará ser solucionada com alguém ainda não testado na posição. O que parece claro é que uma Seleção Brasileira precisa de um centroavante de mais qualidade do que Richarlison e mais apetite do que Gabriel Jesus. Vítor Roque seria o nome natural da vez, não tivesse sofrido uma entrada desleal do colombiano Nico Hernández, zagueiro do Inter, num jogo de Brasileirão. O novo centroavante do Barcelona só joga bola ano que vem, sabe-se lá o tempo que levará para retomar o padrão que levou o clube espanhol a contratá-lo. Marcos Leonardo ainda é menos, poderia ser prematuro, assim com Endrick, que ainda não virou titular no Palmeiras.
Assim como está, a impressão é de que estamos todos vendo reprise de defeitos das seleções anteriores, que alternavam bons e maus momentos durante o ano e durante as Copas de 2018 e 2022. Na última, foi criminoso levar o gol faltando quatro minutos para o fim da prorrogação. Mesmo que faltasse o grande centroavante, o Brasil tinha time para ser semifinalista contra a Argentina e, num jogo desses, pode acontecer qualquer coisa. Ficamos antes pelo caminho por conta da decisão por pênaltis contra a Croácia, na qual já entramos derrotados pela vitória que escapara minutos antes no "gol de xiripa" que o Brasil tomou.
Depois de ver as vitórias sobre Bolívia e Peru e o triste empate contra Venezuela, concluo que o Brasil vai demorar. Há um ponto de interrogação em neon quanto à disposição de Neymar em ser para o Brasil o que Messi foi para a Argentina no Catar, o protagonista que se despede campeão em sua última Copa. Não se tem certeza de que Vinicius Junior conseguirá assumir o protagonismo que suas atuações no Real Madrid sinalizam. Numa turma mais abaixo, vale o mesmo para Rodrygo.
Fiquei assustado ao ouvir a entrevista pré-jogo do capitão Casemiro. Ele reconhecia o favoritismo brasileiro à classificação, mas negava a obrigação de se classificar. Não, Casemiro! Mil vezes não. É tão evidente quanto à luz do sol que o Brasil tem absoluta obrigação de se classificar para uma Copa que passa a ter 48 participantes. O continente sul-americano tem seis vagas. Soa como bofetada na inteligência do torcedor e da torcedora do Brasil que um dos líderes do time abra a possibilidade de o Brasil ficar fora da Copa de 2026. Casemiro, aliás, em campo dá sinais de exaustão como primeiro volante. Seria fantástico que o ex-palmeirense Danilo se afirmasse na Inglaterra e virasse o nosso centromédio.
Gosto de Gerson de segundo homem. Dá qualidade e força no meio-campo, mas preocupa que tenha sido driblado pelo meia venezuelano com tanta facilidade na quinta-feira (12). Raphael Veiga ainda não teve chance de mostrar que tamanho poderá ter vestindo a camisa da Seleção.
Não vale abortar o que Fernando Diniz começou só porque o Brasil empatou com a Venezuela, mas combinemos que não dá para aceitar que o time jogue tão pouco em casa contra adversário tão inferior. É necessário identificar crescimento, o que não aconteceu no combo dos três primeiros jogos.
O jogo da próxima terça-feira (17) contra o Uruguai ganha outro significado. O Brasil entrará no Centenário sob suspeição de sua torcida e os jogadores têm compromisso com reabilitação não só de resultado e, sim, de performance. Urge que se sintam desafiados, que respondam com bola no pé e não em entrevistas descoloridas. O Brasil pentacampeão do mundo está na história, mas não pode viver dos troféus que guarda numa luxuosa ala de museu na Barra da Tijuca.