O Liverpool nunca havia vencido uma Premier League. Seu último título inglês, 30 anos atrás, aconteceu na modalidade anterior de competição. Era um campeonato muito menos atraente e cercado de defeitos que comprometiam sua capacidade de seduzir.
Para se ter uma ideia da diferença do conceito do Campeonato Inglês naquela época em relação à situação de hoje, o Liverpool foi campeão na temporada 1989/1990 enquanto ainda estava suspenso das competições europeias por conta da tragédia de Heysel em 1985, quando uma multidão de torcedores morreu na final da Copa dos Campeões da Europa. Morreram 39 torcedores da Juventus por causa de uma confusão iniciada por torcedores ingleses.
Era outro cenário para bem pior. Dois anos depois do título do Liverpool, o Campeonato Inglês sofreu a revolução estrutural que transformou o Inglesão em algo espetacular. Virou uma competição milionária e sedutora. Gramados e iluminações impecáveis, segurança absoluta para as torcidas, condição maravilhosa nas cabines de imprensa, a Premier League se tornou referência.
O Liverpool andou perto algumas vezes, a última delas no ano passado, quando só não foi campeão porque o Manchester City fez uma campanha sem erros. No campeonato 2018/2019, o time de Jürgen Klopp fez 97 pontos. O de Guardiola chegou a incríveis 98. Na temporada 2017/2018, o City fez 100 pontos, o Liverpool ficou em quarto, já era treinado pelo alemão.
Jürgen Klopp dava na trave e talvez houvesse quem estava pronto a chamá-lo de azarado, se isso existe. Klopp foi vice-campeão da Liga Europa e da Liga dos Campeões da Europa com o Liverpool. Seu time jogava bem, mas cadê que levantava taça? Jürgen Klopp foi campeão alemão com o Borussia Dortmund e vice da Liga dos Campeões da Europa com o time alemão. Era evidente que se tratava de um técnico competente. Para ser campeão no Liverpool, bastava que a direção do clube confiasse no seu trabalho e, claro, dotasse o elenco de novos e melhores jogadores.
Este é o ponto principal desta coluna. Convicção leva a título. Se bastasse ter convicção para ser campeão e houvesse mais de um convicto, teríamos mais de um campeão. Logo, é preciso mais do que confiar. Jürgen Klopp é dos melhores treinadores do mundo porque correspondeu à confiança de quem o contratou e manteve mesmo antes de colocar faixa no peito. Seu time perdeu Phillippe Coutinho quando este era protagonista.
O alemão tornou sua equipe menos acadêmica e mais vertical a partir do seu trio ofensivo. Mané, Salah e Firmino nunca foram reconhecidos como extra-classe. Juntos, porém, ganham a contundência e a letalidade dos gênios goleadores.
O mérito deste Liverpool ainda campeão europeu, embora já eliminado da atual Liga dos Campeões, está na soma do trabalho da direção com o treinador. Para ser campeão da Europa numa temporada e da Inglaterra na outra, o time foi enriquecido com jogadores essenciais que mudaram o patamar de qualidade.
O Liverpool não tinha goleiro confiável. Chegou o brasileiro Alisson. A zaga central dava taquicardia em torcedores e torcedoras de vermelho. Veio o que agora melhor zagueiro do mundo, o holandês Virgil Van Dijk. O meio-campo se estabeleceu com Henderson e Wijnaldum, Fabinho se firmou depois.
Além de ideias contemporâneas de um futebol ofensivo, Jürgen Klopp se notabiliza por ser um extraordinário gestor de grupo. Não se tem notícia de alguma relação ruim do treinador com qualquer um dos seus jogadores, dos mais aos menos famosos e milionários.
Não há só uma forma de se construir um time campeão, combinemos. Se o Liverpool precisou de alguns anos de aposta no seu competente treinador, o Flamengo encaixou em um mês de trabalho do português Jorge Jesus, cuja chegada coincidiu com a vinda de reforços importantes como Rafinha, Filipe Luís, Marín e Gérson.
Encaixe tão fulminante é raro, caso fora da curva. Muito mais comum é a construção de campeão pela qual passou o Liverpool, goleado pelo Manchester City quinta-feira passada na primeira vez que entrou em campo como campeão inglês. Tinha assegurado o título justamente numa derrota do time de Guardiola para o Chelsea na rodada anterior.
Já garantido na próxima Liga dos Campeões da Europa, o Liverpool virá ainda mais forte, por mais que se desconheça o cenário futuro pós-pandemia. Só de premiação pelo título inglês, o Liverpool verá entrar no cofre algo em torno de 40 milhões de libras (cerca de R$ 266 milhões). Klopp, ao que tudo indica, não sairá. Todo trabalho que consegue casar direção e comissão técnica neste nível de entrosamento terá uma chance muito maior de sucesso. Na Inglaterra, no Brasil e no mundo.
Caxias Campeão?
Se você lê habitualmente esta coluna, já viu por aqui ser defendida a ideia de que, não havendo condição de concluir o Gauchão no campo, declare-se o Caxias campeão gaúcho de 2020. Dois dias atrás, o presidente Romildo Bolzan Júnior deu declarações nesta direção.
Longe, muito longe do ideal seria esta solução. Ainda assim, a mais justa num cenário tão caótico como este que vivemos. O campeonato gaúcho tem um campeão até agora. O Caxias ganhou o primeiro turno, o que o colocou na decisão do campeonato. Caso seja mesmo impossível jogar as partidas que faltam, não vejo por que declarar a temporada sem um vencedor. Quem reuniu mérito até aqui para herdar a faixa neste cenário excepcional é o Caxias. Ainda espero o recomeço do campeonato para o início de agosto e sua conclusão possível. Do contrário, que a taça vá para o armário reservado no estádio Centenário.