Uma semana após dizer que o governo não precisa necessariamente buscar déficit zero no próximo ano, o presidente Lula fez questão de reforçar nesta sexta-feira (3) que seus ministros devem transformar dinheiro em obras e não deixar verba parada no Tesouro. Sim, o Brasil tem muitas pendências em infraestrutura, inclusive com obras atrasadas. O problema é abusar do cheque especial para agilizar essas entregas e comprometer a estabilidade fiscal.
Assim como Lula, muitos pensam que a defesa intransigente de déficit zero, feita pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) e outros poucos auxiliares do alto escalão, beneficia o mercado financeiro em detrimento dos mais pobres. Pelo contrário. Se insistir na ampliação de gastos com base no endividamento, logo à frente o governo vai gerar mais inflação, o que sempre afeta mais quem tem menor poder aquisitivo.
Além disso, o adiamento da busca por déficit zero poderá travar o ciclo de queda de juros, o que contraria a lógica de estimular a economia e retomar canteiros de obras pelo país, além de aumentar o custo da dívida do próprio governo.
O vaivém de declarações desencontradas sobre a mudança na meta também tem gerado incerteza. Enquanto não esclarece se irá de fato mudar a meta do déficit, o governo amplia especulações e adia decisões sobre futuros investimentos.
Embalado pela PEC da transição, que abriu espaço de R$ 145 bilhões no orçamento, Lula relançou o PAC com previsão de investimentos robustos com dinheiro público. Ao convocar os ministros da área de infraestrutura, nesta sexta, sua orientação foi clara: o programa precisa ser protagonista na retomada da economia e servir de vitrine para 2026.
— Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro que está no Tesouro, mas para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras. É dinheiro transformado em estrada, em escola, em escola de primeiro, segundo, terceiro grau, saúde — disse o presidente, em uma mesa em que estavam Haddad e outros oito ministros.
Após a reunião, o titular da Casa Civil, Rui Costa, tentou atribuir a frase a um pedido de eficiência, desenhando um cenário em que Lula teria apenas orientado os ministros a executarem orçamentos já aprovados. O recado de Lula, no entanto, é claro: não quer ouvir falar em contingenciamento.
A discussão sobre o orçamento público precisa levar em conta que o governo está pressionado por gastos de todos os lados e, até agora, aposta exclusivamente no aumento de receitas para equilibrar essa equação. Em valores nominais, o déficit está em R$ 93,4 bilhões no acumulado dos nove primeiros meses de 2023. Portanto, boa parte dos investimentos vem por meio de endividamento.
A margem para manter o patamar de gastos foi ampliada com a substituição do falido teto de gastos pelo novo arcabouço fiscal. Ao enviar a nova regra ao Congresso, Lula prometeu equilibrar até o final do próximo ano o ritmo de receitas e despesas. Descumprir este compromisso já no primeiro ano poderá trazer sérios prejuízos à credibilidade do governo, gerando ali adiante o efeito contrário da intenção de estimular a economia e melhorar a vida dos mais pobres.