Ao comentar pela primeira vez os atos de 8 de janeiro, o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal (DF), Anderson Torres, tentou justificar nesta terça-feira (8) que nada apontava para uma ação radical de militantes bolsonaristas naquele domingo. A versão apresentada à CPI que investiga o caso no Congresso não para em pé, principalmente por sair da boca de quem foi ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro e acompanhou de perto o planejamento e a execução de outros atos antidemocráticos.
Torres ainda era ministro quando, em 12 de dezembro, manifestantes que não aceitavam o resultado das urnas invadiram e depredaram a sede da Polícia Federal (PF). Ele foi avisado sobre o caos instalado na área central de Brasília enquanto jantava com a família em um restaurante. Não interrompeu sua programação, e deixou o local horas depois para enviar um comunicado burocrático nas redes sociais prometendo apurar quem foram os responsáveis pelo caso.
Um dos homens de confiança do ex-presidente, Torres também nunca agiu para desmobilizar o acampamento montado em frente à sede do Exército, seja como ministro ou depois como secretário de segurança. Pelo contrário: esteve ao lado do chefe quando ele acusou, sem provas, o sistema eleitoral de fraude e incitou apoiadores a questionarem a legitimidade do resultado das urnas.
Não somente Torres, mas qualquer um que tivesse acesso às autoridades de segurança do Distrito Federal sabia que o local não era frequentado apenas por "velhinhas com bandeira na mão", como já disse Bolsonaro. Relatórios de inteligência mostravam a presença de extremistas e planos para atos de vandalismo.
Uma semana após a posse de Lula, havia um clima de tensão no país, com bloqueio de estradas por eleitores inconformados e manifestações em frente a quartéis. Não é concebível pensar que as autoridades de segurança do Distrito Federal, reconhecidas entre as mais competentes do país, não soubessem da entrada de dezenas de ônibus de manifestantes em Brasília, bem como o acirramento do clima no entorno da Esplanada.
Torres ainda tentou justificar à CPI a viagem de férias a Orlando, nos Estados Unidos, realizada uma semana após assumir o cargo no governo do DF e momento em que já havia convocação para um protesto na Esplanada. Ele disse que deixou o Brasil "extrememente tranquilo" porque havia assinado um Plano de Ações Integradas, que estabelecia como deveria ser realizado o trabalho das equipes de segurança.
Preso no retorno ao Brasil, Torres é investigado agora por omissão na montagem do esquema de segurança. Ele compareceu à CPI usando tornozeleira eletrônica, uma das medidas cautelares determinadas para que deixasse a carceragem.
Questionado pelos parlamentares sobre a "minuta do golpe" encontrada pela PF em sua casa, Torres resumiu o documento a algo "fantasioso" e sem "validade jurídica". Só não revelou de quem recebeu a proposta de decretar Estado de Defesa no país, anulando o resultado das urnas que deu vitória ao presidente Lula, e por que o papel não estava na lata de lixo.