Como a coluna já observou, a cogitação de golpe no entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro começou ainda antes da posse. Precedeu, portanto, qualquer medida do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou do Supremo Tribunal Federal (STF) e a anulação da condenação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na corte suprema – motivo de indignação citado por apoiadores.
Mesmo que o relatório da Polícia Federal (PF) mostre com documentos, trocas de mensagens e até áudios como foi construído o plano para adotar medidas antidemocráticas e inconstitucionais, Bolsonaro pode não estar mentindo quando diz que nunca falou em golpe.
Do que ele sempre tratou, como admitiu (leia aqui) em manifestação na segunda-feira (25), foi "alternativas" a sair do Palácio do Planalto derrotado pelas urnas.
Se o áudio da declaração de Bolsonaro pode ser ou não usado como prova pela Procuradoria-Geral da União (PGR) é uma questão técnica, mas na prática ele confessou ter avaliado adotar medida ilegal por motivo fútil: o estado de sítio, afirmou, foi cogitado depois de seu partido, o PL, ser multado por questionar o resultado das eleições:
— Se o presidente, usando de má-fé ou de desinformação, assina e manda para lá (Congresso), está incurso em crime de responsabilidade. Mas tínhamos um problema no Brasil? Tínhamos um problema.
Uma multa a um partido político ou uma derrota eleitoral justificam estado de sítio? Os artigos 137 a 139 da Constituição definem o cenário em que isso poderia ocorrer: "comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (prévio)" e "declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira".
Outra "alternativa" era a "Operação 142", referência ao artigo da Constituição que afirma "as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Gênios legislativos leram nesse texto um suposto "poder moderador", desautorizado oficialmente pela Câmara dos Deputados (confira aqui). Mesmo assim, a "Operação 142" foi minuciosamente planejada, como aparece na página 752 do inquérito, inclusive com "cadeia nacional de rádio e TV" e "mobilização de juristas e formadores de opinião".
Então, para Bolsonaro e seu entorno, não se tratava de "golpe", mas de "alternativas". Outra aparece na página 427 e prevê "base jurídica consolidada em decreto presidencial com apoio do congresso nacional (sem maiúsculas no original)". Depois de a "operação 142" ter sido inviabilizada, vieram as sucessivas minutas de decreto. Na cabeça dos golpistas, nada disso era golpe.