Ele quer criar 120 empresas em 10 anos. Desenvolve inteligência artificial à prova de "alucinação" (erro de processamento). Tem uma empresa que cresce 5.000% ao ano. Não fosse o currículo de Ricardo Rocha, pareceria alguém contando vantagem. Mas foi o menino que vendia ovos e queijos para comer na cantina da escola que teve três empresas compradas pelo Magazine Luiza - Softbox, Kelex e Solução Certa, por um valor que ele só admite ter nove dígitos - e comandou por quatro anos e meio a criação do marketplace que hoje fatura R$ 22 bilhões. Saiu da gigante do varejo no ano passado. Já criou outras sete empresas - todas para venda, avisa. Só faltam 113. Na terça-feira (29), Rocha fará a palestra de abertura do Varejo 360: Experiências e Soluções para Transformar o Mercado, na Fecomércio-RS.
De onde vem a vocação empreendedora?
Na escola, quando tinha 11 ou 12 anos, não tinha dinheiro para comprar lanche na cantina. Vivíamos na fazenda, aí minha mãe me deu ovos e queijo caipira para vender para as mães dos colegas. Com o dinheiro, eu comprava picolé de brigadeiro. Vivíamos em São Joao Batista do Glória e a cidade onde eu estudava era Passos, no sul de Minas.
E como virou negócio?
Fomos para Uberlândia. Meu pai tinha um escritório de consultoria, com computadores. Foi quando conheci a computação, por volta dos 13 anos. Aprendi bastante, estudei muito. Queimei o computador do meu pai três ou quatro vezes. Ele teve muita paciência comigo, mas foi a partir daí que comecei a minha jornada empreendedora. Por volta dos 18 anos, abri a primeira empresa e comecei a prestar serviço de curso, de gestão de rede e de programação, sem nenhum tipo de ilusão, de sonho de ser um grande empreendedor. Era mais para comprar as coisas que queria, pagar os boletos, ter um celular.
Qual era a ambição?
Meu sonho era ter um celular de conta, para não ter que ficar ligando de três segundos para os outros. Fui precisando de um ajudante, depois outro. Foi quando comecei a buscar capacitação para que pudesse coordenar. Comecei a transformar toda aquela história de início de atividade, de vida difícil, em empreendimento. A primeira empresa que nasceu foi a EasyTech, focada em software para vendedores de indústrias e atacados fazerem pedidos por palmtop e celular. E depois comecei desenvolver sistemas para empresas. Em 2008, me mudei para São Paulo, e aí foi o grande crescimento da empresa.
Como chegou ao Magalu?
Verticalizamos tanto no varejo físico quanto no varejo digital. Quase todas as empresas de varejo do Brasil foram clientes nossas. A 'falecida' Ricardo Eletro (a empresa quebrou), Casa e Vídeo, Casas Bahia, Grupo de Açúcar, Lojas Americanas, B2W, Submarino, Shoptime. Isso deu grande conhecimento do varejo. E depois, quando veio a estrutura de marketplace, passamos a criar estrutura de multichannel ou omnichannel. Em 2018, com todo esse conhecimento e 400 funcionários, o Magazine Luiza comprou de três das nossas empresas. Fui trabalhar na construção da plataforma de marketplace do Magalu, que hoje é responsável por mais de um terço do faturamento da empresa. Fechei meu ciclo lá em 2023, foram cerca de quatro anos trabalhando na alavancagem da plataforma, que saiu quase do zero para R$ 22 bilhões de faturamento no ano.
Essa saída estava prevista?
Quando houve a aquisição, já tínhamos o prazo estabelecido. Atingimos todos os objetivos e metas em quatro anos. Fiquei mais meio ano consolidando o time e fazendo o processo de sucessão. O Magalu me ofereceu oportunidades, mas o empreendedorismo raiz estava gritando dentro de mim. Queria construir outras empresas. Nesse momento, estou fazendo outras sete empresas para vender.
Qual é seu objetivo?
É a minha carreira, ascender para um empreendedor serial e depois trabalhar, a partir do meu fundo de investimento, que é um venture building (espécie de 'fábrica' de startups) chamado Invest Labs, para chegar a 120 empresas nos próximos 10 anos.
O varejo era um foco?
Na Softbox, fomos verticalizando a partir das oportunidades que foram aparecendo. Tínhamos uma vertical de indústria, uma de varejo, e depois, uma de bancos. Eram os três pilares de oferta de serviço, com faturamentos equivalentes. Em 2018, havia o desafio do Magalu de construir a plataforma. E tínhamos capacidade ferramental, de conhecimento e também de quantidade de colaboradores que pudessem ser incorporados ao Magalu. Então, na compra o Magalu incorporou 400 desenvolvedores e colaboradores. A Luizalabs já tinha 400. Com isso, conseguimos desenvolver o marketplace em cerca de quatro anos.
Como conquistou clientes desse porte sem ser conhecido?
Sempre tive disciplina e dedicação intensas. A empresa era pequena, mas entrava e conseguia prestar um serviço muito consistente, com altíssima qualidade de entrega e velocidade muito alta. Isso fez com que fossemos percebidos pelas empresas grandes. Uma das coisas que tenho como característica é formar times de alta performance. Não sou bom sozinho, o que faço é agregar bons talentos e fazer com que essas pessoas sejam produtivas e funcionem em time. Isso dá muita velocidade, porque em vez de construir gargalos de craques, construo um time de gente muito boa, mas que sabe funcionar como equipe.
Mas qual foi a estratégia?
Era começar com um pequeno projeto. Em alguns momentos, desafiava o CTO (diretor de tecnologia) da empresa a me dar um projeto para fazer de graça, cois de um mês. Fazia com alta qualidade, entregava no prazo. Aí ganhava um segundo projeto, já recebendo. O segundo sucesso já era portas abertas para projetos maiores. Depois, claro, a empresa cresceu. Assumimos toda a parte de tecnologia da Ricardo Eletro, toda a parte de documentação fiscal da B2W. Já tínhamos fama, marca e portfólio, só buscando contas maiores.
Tem ideia de quantos projetos gratuitos fez?
Pelo menos uns 30.
E qual é o foco das novas empresas?
Uma é a Blips, que vai fechar este ano com faturamento de R$ 200 milhões. Foi criada em 2019, quando faturou R$ 2,8 milhões. Trabalha com venda e locação de equipamentos para empreendedores. Desenvolvemos uma tecnologia IoT (internet das coisas) que embarcamos no equipamento, fazemos a gestão remota. Se o cliente não paga o aluguel ou o financiamento, bloqueamos o equipamento. Com isso, transformamos o equipamento em garantia real. O empreendedor não consegue remover esse IoT, porque é chumbado na placa-mãe. Assim, conseguimos dar crédito para quem os bancos tradicionais não dão, porque conseguimos recuperar caso ocorra algum problema de pagamento. Por isso, a empresa cresce cerca de 5.000%.
Tem algo com inteligência artificial?
Tem a Digiall. Já construímos IAs para várias empresas, temos vendedores, atendentes e áreas de suporte e cobrança autônomas. Todas funcionam como funcionários digitais. Costumo até dizer que as empresas agora vão ter funcionários de carne e osso e também de bits e bytes. São funcionários mesmo, têm nome, foto, função e competência, e sabem operar as questões funcionais sem cansar. É uma grande vantagem. Temos, por exemplo, a Esperanza, que é a nossa agente da cobrança. Chamamos de Esperanza, porque temos a esperança de receber tudo de todo mundo (risos). Temos o Prudente, que trabalha na área de crédito, ou seja, dá um crédito bem prudente para os clientes. Temos o Salvador, que trabalha na área de suporte, salvando todo mundo das suas necessidades. A Digiall tem crescido bastante também. Só neste ano, saímos de oito para 30 funcionários.
De carne e osso?
Sim, são engenheiros e educadores de IA, uma nova profissão que surgiu.
Big techs vêm enfrentando problemas com a "personalidade" de IAs. Esperanza e Prudente já deram algum?
Não, porque você treina. No caso das IAs das big techs, são de serventia geral. As IAs que fazemos para empresas são focadas nos processos, nas informações e nas regras de governança. Têm balizadores bem definidos. Não tem o que chamamos de alucinação, que é o que ocorre com outras inteligências artificiais.
*Colaborou João Pedro Cecchini