Uma equipe formada por um septuagenário, um sexagenário e dois jovens prepara de forma artesanal a volta da família Lamborghini à assinatura de carros esportivos. Fabio Lamborghini, sobrinho de Ferrucio, criador dos modelos com nome de touros, fará 54 unidades da FL Fuoriserie, sua grife de produtos de luxo.
Fabio está em Porto Alegre desde a noite de quinta-feira (1º) para uma programação que envolve os sócios locais, o advogado Francisco Zavascki e Cristiano Cruz, da One Imóveis de Luxo. Segundo Cruz, a FL será grife de um prédio residencial em Porto Alegre na linha do Pininfarina e do Porsche lançados em 2021. Será erguido em parceria com uma incorporadora nacional, porque haverá outras capitais com projetos semelhantes.
Em outro tipo de atividade, a negociação de créditos de carbono, conheceram um sócio de Fabio, Maurizio Rocche. As boas relações abriram caminho para criar a FL Fuoriserie Brasil, a primeira iniciativa para a América Latina. À coluna, o sobrinho de Ferruccio relatou que o tio deu emprego a seu pai, Giorgio, a ele mesmo e a milhares de pessoas ao redor do mundo.
Ferruccio era o mais velho de quatro irmãos e vivia na chamada Planície Padana (região entre as montanhas dos Alpes, ao norte, e os montes Apeninos, ao sul), onde a agricultura era a principal atividade. É com intensidade de quem estava por perto que Fabio conta a história do tio, conhecido por ter saltado da produção de tratores para a de carros de luxo:
— Ele tinha paixão pela mecânica, não queria trabalhar na agricultura, mas ajudar quem vivia da terra. Os tratores já existiam, mas eram caros. Ele criou o trator de baixo custo, mais acessível. Foi uma inovação para a época e um grande sucesso comercial.
À medida que ganhava dinheiro, Ferruccio comprava carros mais e mais luxuosos. Até que, em 1962, chegou a uma Ferrari. Mas Enzo Ferrari só produzia o fabuloso motor. E a embreagem não suportava toda aquela potência. Ferruccio tentou consertar, mas o problema sempre voltava.
Depois de um certo tempo, soltou um "io, basta" e testou uma embreagem de trator na Ferrari. Funcionou. Com a "machina" tinindo, lá se foi para Maranello (onde se faziam os carros), segundo Fabio com a melhor das intenções: ajudar a resolver um problema. L'Ingegnere (como Enzo era conhecido) tinha 15 anos mais do que Ferruccio e, conforme o relato de Fabio, quase teve um infarto ao saber que um de seus "cavallini" havia sido equipado com uma peça de trator.
Reagiu com fúria, dizendo que Ferruccio era um camponês que fazia tratores e não entendia nada de carros de luxo. Como resposta, ouviu que o atual cliente não compraria mais Ferrari, porque passaria a fazer seus próprios esportivos. Em sete meses, ergueu a fábrica, sem financiamento, porque não conseguiu convencer os bancos da viabilidade do negócio.
Em 26 de outubro de 1963, apresentou o primeiro (350 GT), feito em segredo - mais ou menos como o sobrinho faz agora com seu FL Fuoriserie. Sobre a escolha do touro como símbolo da marca e raças desse animal como nomes dos modelos - Diablo, Miúra, Urus - Fabio conta que a ideia era ter mais força do que "cavallino rampante" da Ferrari, mas Touro também o signo zodiacal do tio.
Fabio conta que pedia ao pai para levá-lo, depois da saída da escola, até a fábrica de Sant'Agata Bolognese (região da Emília-Romanha, província de Bolonha), onde costumavam aparecer compradores como os atores de cinema Steve MacQueen e Alain Delon. Ainda trabalhou anos em outras fábricas do tio, depois que Ferruccio vendeu a scuderia (hoje a marca Lamborghini para carros pertence à Audi). Também dirigiu o Museo Lamborghini. Conta que costumava fazer pessoalmente visitas guiadas quando era possível.
— Agora que trabalhei por muito tempo (42 anos), resgatei um desenho de 45 anos atrás para realização de um sonho, ter meu próprio carro. Serão apenas 54 (ano de nascimento de Fabio). Não tenho a intenção de ser melhor do que ninguém, mas se os bilionários se entediarem e quiserem algo diferente, vamos ter o FL Fuoriserie. Vai satisfazer os olhos, com segurança e velocidade.
Um dos sócios de Fabio é Gabrielle D’Ambrogi, da marca de moda Botegga d'Italia, que garante a diversificação da marca para bolsas, mochilas e cintos, além de vinhos e cervejas. Uma das características da FL Fuoriserie é a sustentabilidade. A marca tem mochilas e cintos feitos de tecido de carbono e já lançou uma lancha elétrica. Tudo passa pelo controle de qualidade do nome da grife. Sobre o sócio, D'Ambrogi afirma:
— É um vulcão, ficar perto as vezes queima.
Fabio, que havia chegado elogiando o clima de Porto Alegre - "faz mais sol do que em Miami" - e fez os relatos sobre Ferruccio com brilho nos olhos, deixou escapar uma espécie de queixa:
— Meu tio não deu só emprego a meu pai e a mim, mas a milhares de pessoas. Inovou com seus tratores econômicos e criou uma lenda da mecânica. Mas na Itália não é tão reconhecido quanto no resto do mundo.