Depois que a PEC da Transição veio com projeção de gastos de até R$ 198 bilhões fora do teto e o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, voltou a relativizar a importância da responsabilidade fiscal, havia expectativa de que o mercado reagisse com intensidade.
E a reação veio, menos violenta do que se temia. Na abertura dos negócios, o dólar chegou a passar de R$ 5,50, mas desacelerou e fechou em R$ 5,402, quase estável (+0,37%). A bolsa também suavizou a queda para 0,49% no final do dia, com o Ibovespa a 109.702 pontos.
Conforme Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a reação mais suave está relacionada à expectativa de que o Congresso deva reduzir o tamanho do rombo e coloque prazo na "licença para gastar" encaminhada de forma permanente. Embora a "despiora" tenha sido gradual, intensificou-se no final da tarde.
Pouco mais de uma hora antes do fechamento do mercado, tornou-se pública a renúncia a participar da equipe de transição do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Ele havia se juntado ao grupo como voluntário por estar impedido de exercer função pública até 2030, em decorrência de sua responsabilização legal pelas pedaladas fiscais do governo Dilma. O Ibovespa, que andava em 107.660 pontos, em poucos minutos empinou mil pontos, para 108.663, em linha com a máxima do dia. E, a partir daí, seguiu em alta.
Ao longo do dia, surgiram muitas interrogações sobre a intenção de Lula ao pressionar o mercado. Um dos reflexos foi uma carta aberta, publicada no jornal Folha de S.Paulo, de economistas que o apoiaram no segundo turno - Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan.
O título era a frase de Lula que mais impactou economistas e investidores, com um ponto de interrogação final que não havia no original: "Vai cair a Bolsa? Aumentar o dólar? Paciência?".
"Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil. O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver", afirmam os três economistas. E prosseguiram:
"A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes. O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social".
E fizeram uma cobrança direta ao presidente eleito:
"Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo".