Um dos especialistas que ajudou a definir a Lei do Petróleo de 1997, que rompeu o monopólio da Petrobras na exploração e produção de petróleo, Jean-Paul Prates está focado em energias renováveis. Na presidência do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), ainda é voz relevante no debate sobre a maior estatal do país e sua política de preços de combustíveis. Na avaliação de Prates, diferentes governos extrapolaram o equilíbrio entre os preços internacionais e os internos – Dilma isolou demais, Temer amarrou em excesso. Avalia que o estudo para flexibilizar tributos sobre combustíveis feito pelo Planalto pode ser apenas um paliativo. Está na hora de fazer uma política de meio termo, recomenda, com "critérios claros e transparentes" e repasses em "períodos determinados, não muito longos, senão se sujeita a aumento de importação".
Vai funcionar a tributação flexível sobre combustíveis?
Pelo que se sabe até agora, não. É um paliativo para um presidente e um governo em final de mandato com baixa popularidade. Não tem como melhorar, então não tem nada a perder. Para esse grupo, interessa agradar ao acionista, que acredita que o preço deve ser livre, manter a recuperação da Petrobras em relação a situações anteriores, em que o cidadão paga até mais do que deveria. O novo presidente da Petrobras é financista, não da área de petróleo, deve prevalecer essa visão.
Quando o governo Dilma estica aquele período de baixa nos preços internos, provoca uma situação que deveria ter sido compensada em 2015.
Seria um modelo inédito?
Era assim quando a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, que substituiu a conta-petróleo) foi criada, no governo FHC. Quando o preço lá fora subia, a Cide caía, para evitar que a Petrobras ficasse com o todo o ônus. Se não desse para neutralizar só com a Cide, a Petrobras segurava 10 a 15 dias, depois se compensava. Deveria ter funcionado assim.
Não foi assim no governo Dilma...
Quando o governo Dilma estica aquele período de baixa nos preços internos, provoca uma situação que deveria ter sido compensada em 2015. Prejudicou acionistas e fez mal à Petrobras. Mas não quebrou a estatal, como dizem. Houve um período de barriga. Depois, um momento em que tinha de manter o preço interno acima do internacional para compensar a Petrobras.
A mudança para reajustes diários foi brusca demais?
Houve um período em que o governo extrapolou para um lado, depois, para o outro. Parente (Pedro, ex-presidente da estatal) insistiu no repasse em tempo real. As empresas de frete não estavam preparadas. Imagine fazer orçamento cruzando o Brasil e, no meio, haver oscilação de 15% a 20%. O governo decide fazer subvenção, tirar dinheiro do orçamento público para diesel. É congelamento, medida complicada de implementar, o Brasil se habituou a driblar, pode haver preços falsos na bomba, drible na fiscalização. Tem tudo para não funcionar.
Um governo novo, legitimado pelas eleições, que terá discutido um plano de governo, porque o assunto Petrobras e combustíveis vai vir com força, terá de definir o papel das estatais.
Se nada funcionar, como resolve?
Um governo novo, legitimado pelas eleições, que terá discutido um plano de governo, porque o assunto Petrobras e combustíveis vai vir com força, terá de definir o papel das estatais. O Brasil não pode prescindir de Estado com viés direcionador, que implemente políticas sociais e econômicas. O papel da Petrobras é misto. Será preciso convencer os acionistas de conviver com uma empresa que tem eventual papel de controlador de preços quando a oscilação internacional é exagerada, especulativa. Mas desde que tenha critérios transparentes de reposição das perdas e um período determinado. E não pode ser muito longo, senão se sujeita à entrada de importados. A saída é essa: compensações em períodos determinados, com critérios claros e transparentes. E evitar subvenção. Não é boa solução, inclusive para o mercado.
Como o mercado reagiria?
Será preciso dizer aos acionistas que, se querem ganhar muito dinheiro de um dia para outro com uma empresa estatal mista, estão no lugar errado. Para ganhar dinheiro em pouco prazo ou especulação com ações, pode mudar para negócios que tenham agressividade maior, como empresas de informática ou startups. A Petrobras tem presença hegemônica, reservas próximas de seus mercados principais, detém a maior parte dos tanques, dutos. É uma empresa interessante para investidor conservador, que quer retorno certo, regular, mesmo que eventualmente esteja sujeito a um preço que se paga por ser sócio. É interessante que a Petrobras sempre foi uma blue ship (entre as principais do mercado), independentemente de sempre ter algum tipo de controle de preços. Essa foi a primeira vez que testamos reajustes em tempo real. A Petrobras tem outras vantagens, por ser empresa estatal, que outras não têm, que fazem com que seja atrativa a determinados tipos de investidor.