Depois de apresentar uma proposta desidratada de reforma da Previdência, com corte de despesas que correspondem a 60% das projeções originais para 10 anos, o governo sinalizou na sexta-feira (24) que ainda há espaço para enxugar. Em passagem pelo Estado, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, admitiu fazer mais concessões à base aliada.
A nova piscada reforça o ceticismo com que o discurso "agora vai" do Planalto foi recebido, tanto no universo político quanto no financeiro. Mesmo embalada em um novo discurso, que ataca privilégios, a reforma ainda é um assunto quadrado, por mais esforço que se faça para vendê-lo. A trajetória pessoal de integrantes do governo não ajuda. Aposentado aos 55 anos, recebendo benefício de R$ 30 mil há 22, o presidente Michel Temer decisivamente não é o melhor vendedor da ideia de fim dos privilégios.
Até no Uruguai, governado por uma frente de centro-esquerda, o governo propõe reforma na Previdência. Não é problema ideológico, é matemático. Mas por mais que seja necessária e inevitável, a reforma segue padecendo de falta de legitimidade. Não por suas regras, mas por seus proponentes. Essa é uma das maiores dificuldades para quem tem de administrar o discurso dos privilégios sem soar falso e parecer contraditório.
Também não ajuda o fato de o déficit previdenciário de 30 milhões de beneficiários do INSS exigir cobertura de R$ 150 bilhões, enquanto são reservados R$ 164 bilhões para bancar cerca de 3 milhões de servidores públicos civis e militares. A reforma da Previdência é necessária, de fato. Mas ajudaria muito ter como proponentes governantes que não desfrutassem dos mesmos privilégios que, por conveniência, agora dizem combater.