Assinatura da marca encontrada na América Latina, na Europa, na Ásia, na Europa e até na isolada ilha de Papua-Nova Guiné, Clovis Tramontina é otimista praticante. Não só com a economia, mas com a vida. O prazer com que fala dos negócios é tão evidente que, diante de dúvidas sobre a fonte da energia, diz:
– Eu não trabalho, me divirto.
Mas leva muito a sério as vidas das mais de 8 mil pessoas que dependem da sua empresa. Ao participar do evento Fórum Respostas Capitais, nesta quinta-feira, na sede do Grupo RBS, o empresário explicou que aceitou reduzir seus ganhos para não ter de demitir funcionários durante a crise.
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A dura recessão no Brasil chegou a ameaçar seu otimismo?
É um desafio ser otimista em um país como o nosso. Vinha de Carlos Barbosa para Porto Alegre, um trajeto que leva de 90 minutos a uma hora e 40 minutos. Nesta quinta-feira, levamos três horas. E o pior é que não há obras ou projetos para o futuro. Em cinco anos, não haverá nenhuma obra. Imaginem o que vai ocorrer daqui a cinco anos com o trânsito na entrada de Porto Alegre. Devem ter encontrado um faraó na entrada da Capital (risos).
Sou um sujeito otimista, continuo acreditando no Brasil, em um país maravilhoso. Há muitos problemas. Fico muito preocupado. A crise se agrava com o desemprego. Falamos em 14 milhões de desempregados, mas, ao passarmos pelas esquinas, percebemos que há mais de 20 milhões. É uma situação complicada, preocupa. Porém, não podemos nos entregar. Há quatro países com possibilidade futura de entrada da classe média, os verdadeiros consumidores em potencial: Índia, China, Indonésia e Brasil. São populosos. Na Europa e nos Estados Unidos, isso já ocorreu. Temos grandes oportunidades, tanto no mercado interno como no internacional. Sou otimista por isso. O brasileiro, mesmo com todos os problemas, sorri, tem alegria. As pessoas querem comer, morar e se vestir. Todos precisamos disso.
Para manter empregos durante a recessão, a Tramontina teve de fazer sacrifícios?
A Tramontina nunca admitiu 600 ou mil pessoas de uma vez em 106 anos de história. Temos crescimento orgânico. À medida do necessário, mais pessoas são admitidas. Nosso maior patrimônio são as pessoas. Uma empresa é feita de gente, e não de produtos. As pessoas da Tramontina podem fazer enxadas, cadeiras, panelas ou fogões. Claro que houve sacrifícios. Para não demitir, abrimos mão da margem (de lucro) e mantivemos as fábricas a pleno. O mais importante é manter fábricas a pleno. Assim, há resultado. Fizemos trabalho de redução de margens para mantermos empregos. Nos 106 anos da Tramontina, nunca demitimos por falta de trabalho.
E já é possível começar a recuperar essa margem de lucro?
Infelizmente, não. Dizia, no fim do ano passado, que esperava a fábrica chegar, no início de 2017, à totalidade. Imaginava começar o semestre com a empresa a pleno. Infelizmente, não aconteceu. Janeiro foi fraco. Fevereiro, um pouquinho melhor. Março foi muito bom, um suspiro. Abril foi um desastre. Foi o pior abril de todos os tempos. Há explicações. Tivemos apenas 12 ou 13 dias úteis. É um país rico, não precisa trabalhar (risos). É difícil. Ainda houve uma pseudo-greve no último dia útil do mês, que normalmente é um dos mais importantes na área comercial. Trabalhamos 100%. Mas nossa equipe comercial não conseguiu transitar porque a greve prejudicou a população mais necessitada.
A Tramontina se destaca por usar robôs na produção. Isso será intensificado?Dizem que a Tramontina é a empresa com mais robôs fora da indústria automobilística. Temos aproximadamente 600 robôs na empresa. Mas nenhum substitui a mão de obra. Muito pelo contrário, aumentamos em mão de obra. Temos cerca de 8 mil funcionários. Ninguém perdeu emprego por causa dos robôs. O robô é usado em atividades repetitivas e mais perigosas, como solda e pintura. O robô precisa de gente para ser programado. Há qualificação da mão de obra. O robô não se autoliga. Ao menos, por enquanto...
Por que, no meio da crise, a empresa lançou linhas, os utensílios plásticos e os eletroportáteis da Breville?
Como disse antes, é preciso morar, comer e se vestir. A Tramontina atua na casa. Estamos atentos a tudo para a casa. Há aproximadamente três anos, na Austrália, vimos na parceria com a Breville. Temos linha premium, a Tramontina Design Collection. Procuramos esse nicho de mercado. A parceria com a Breville agregou valor à nossa marca. Quando importamos, temos a visão futura de fabricar esses produtos. Como temos expertise no aço inoxidável, e a Breville, no desenvolvimento de projeto de produto, poderemos fabricar para eles a parte de inoxidáveis.
Foi um período maravilhoso, que durou um ano e meio. Agora, sentimos queda nas vendas, porque o valor é maior. Mas também sentimos que há oportunidade para abrir novos mercados. A própria Breville indica que, depois que colocou a Tramontina em sua marca, as vendas aumentaram. Agora, a empresa está propondo ampliar sua participação com a marca Tramontina na América Sul. Os produtos de plástico também estão dentro da linha para casa. Lançamos produtos econômicos e de qualidade.
Qual o aprendizado das experiências internacionais para a Tramontina?
A Tramontina fez sua primeira exportação em 1966 para o Chile. Temos fábrica nos Estados Unidos. Optamos por ser uma empresa internacional, e não global. Qual a diferença? As globais são as automobilísticas que colocam plantas em vários países. Ser internacional é ter empresas brasileiras competitivas e exportar para o mundo inteiro. Esse é o nosso objetivo. Vamos ter boas fábricas aqui para poder exportar para o mundo inteiro. Claro que precisaremos do apoio dos governos para melhorar estrutura, começando pela entrada de Porto Alegre (risos). Uma empresa como a nossa, com grande produção, não tem condições de pensar só no mercado brasileiro. Seria uma loucura. É preciso ter visão do mercado mundial. Estamos em 120 países, mas o forte é a América, desde o Canadá e os Estados Unidos até o Uruguai e a Argentina.
É complicado entrar na Ásia porque pouco se usa talheres?
A China tem 1,3 bilhão de habitantes. Falando só desse país e do Japão, imagine se deixarem de usar palitinho e começarem a comprar garfos e facas? A Tramontina não vai ter fábrica suficiente (risos). Precisaríamos de mais indústrias. Tem aquela turma do sushi e do sashimi, que come com os palitinhos. Eu pego um garfo e uma faca e como melhor, e são da Tramontina (risos).
Esse hábito cultural impede a entrada dos produtos na Ásia?
Tentamos entrar lá. Tenho amigo que foi presidente do Carrefour na China. Tentamos ir lá e vender. Só que é difícil. Tem problema de logística, uma série de coisas. Imagine querer vender faca e garfo na China, onde as empresas produzem a custo quase zero. É um desafio muito grande. Tentamos. Temos escritório em Cingapura. Estamos atentos. É mais ou menos que nem a África. Se você ouvir o (economista) Ricardo Amorim, ele vai dizer para esquecer a África. Eu digo o seguinte: há um bilhão de pessoas na África, e falta tudo. Estamos a seis dias de barco de lá. Hoje, quase tudo que vai para a África, vai via Europa. Temos de ter linhas de navios para lá. Aí seria vai ser espetacular.
(Pergunta de Carolina Toledo, gerente de marketing do Shopping Total)
Quais modelos de negócio do Exterior podem ser aproveitados no comércio brasileiro?
Temos exemplo fantástico que é o José Galló, CEO da Lojas Renner. Ele tem encantamento pelo cliente. É preciso foco no cliente. Vejo, principalmente nos Estados Unidos, onde estamos há 31 anos, com fábrica com cerca de 700 funcionários. Temos diretor lá. Uma vez, estávamos tentando vender nossas lixeiras, e o comprador do Walmart disse para nosso diretor que seriam necessários sacos plásticos.
Nosso diretor não afirmou que não tínhamos sacos plásticos, e foi atrás dos produtos. Comprou sacos e colocou a inscrição da Tramontina. Fez um baita negócio. Ele atendeu ao cliente. O comércio tem de ver o que o consumidor quer. Comprei um carro. Uma pedra bateu no veículo, que estragou. A concessionária poderia ter arrumado o carro, mas me deu um melhor. Você acha que ainda vou trocar de marca?
(Pergunta de Dione Kuhn, editora de Notícias de Zero Hora)
Quais são as percepções do cliente em relação à Tramontina indicadas por pesquisas?
É algo impressionante. O que é a Tramontina? Qualidade. Colocamos a marca nos 18 mil produtos que fabricamos, desde a picareta, a ferramenta, que não pode quebrar, até o fogão cooktop que ganhou prêmio na Alemanha.
(Pergunta de Marta Gleich, diretora de redação de Zero Hora)
Qual sua relação com o trabalho e o que você faz para contagiar os trabalhadores de sua empresa?
Tenho relação espetacular. Não trabalho, me divirto. Há gente que fica apavorada por ter de trabalhar. Fico preocupado com tantos feriados. O que você vai fazer com tantos feriados? Não dá para aguentar. Nem dinheiro para viajar e fazer festas o pessoal tem. Quando você faz aquilo que gosta, você se diverte. Trabalhar é um presente de Deus.
Esses sindicatos precisariam dizer "eu quero um patrão", e não combater as empresas. Se um sujeito ganhar mil reais em uma família com cinco pessoas trabalhando, a renda será de R$ 5 mil. A família vai viver e comprar. Se ninguém estiver batalhando, terão de ir para o SUS (Sistema Único de Saúde).
(Pergunta de Vilson Noer, presidente da AGV)
Qual a participação da venda de panelas nos negócios do Dia das Mães?
Temos pesquisas que mostram que mães não querem ganhar panelas. Mas isso é só uma categoria. A grande maioria deseja, quando tiver um pouco mais de dinheiro, porque a Tramontina custa um pouco mais, ter um produto da empresa em casa. Para o Dia das Mães, há um aquecimento. Não acho que há algo melhor do panela de inox. Tem muita gente que diz para comprar uma panela bonita. A mulher vai olhar, se espelhar naquela panela (risos).
A gourmetização ajudou nesse tipo de venda?
Não há dúvida. Hoje, quantas crianças querem ir para a cozinha? Serão nossos consumidores no futuro. Estamos muito bem na idade madura. Precisamos trabalhar mais a juventude. Estamos fazendo isso. O pessoal criticou o presidente Michel Temer quando falou que as mulheres controlam preços nos supermercados. Cá entre nós, quem controla preços? Não são as mulheres? Os homens entram no supermercado, compram tudo de que não precisam e pagam mais caro. A mulher paga mais barato, vai lá e briga.
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O que você vê para o futuro do país?
O Brasil será cada vez melhor. Quando eu era mais jovem, com 20 e poucos anos, perguntei para meu padrinho o que achava do país. Ele disse que o sonho era deixar o Brasil melhor, sem inflação e com moeda forte. Foi o que aconteceu. A inflação já chegou a 80% ao mês. Eram preços diferentes pela manhã e pela tarde. Na viagem de Carlos Barbosa para Porto Alegre, ouvindo as notícias no rádio, quase parei o carro e disse para irmos embora porque chegaria o fim do mundo. Mas não é isso.
O Brasil será melhor. É importante que as reformas, tanto a trabalhista como a previdenciária, passem. Falo com sindicalistas e pergunto o que é uma jornada de trabalho hoje? Por exemplo, quem trabalha no setor financeiro tem de estar ligado na madrugada porque as bolsas estão operando na Ásia. Outra coisa: as mulheres, para fazer hora extra, precisam de intervalos de 15 minutos. Pergunte se as mulheres da Tramontina querem esperar os 15 minutos. Não. Querem emendar e ir para casa.
São visões retrógradas. Quem faz a bagunça é quem tem privilégios. São os sindicatos, quem tem aposentadorias especiais, e a maioria está no setor público, infelizmente. Tenho opinião que vou defender muito: a diminuição do tamanho do Estado. Está comprovado que a nação, o Estado e o município estão falidos. Carlos Barbosa precisa de 11 vereadores? Se pegar cinco caras, eles comandam a cidade. Que bobagem. Acho uma graça quando se fala do governo. O governo somos nós. Temos de salvar a Previdência para a juventude. A gurizada não vai ter o benefício no futuro se não forem feitas as mudanças. Acredito em um Brasil melhor.
Você contou em outra ocasião que fez um bate-volta para Papua-Nova Guiné. Como foi essa visita?
Não é fácil ir para lá. Temos um cliente interessante no país, que chamou a atenção no meio do oceano, no fim do mundo. Não sei se o fim do mundo é lá ou aqui (risos). Iríamos para a Austrália e aproveitamos para visitar Papua-Nova Guiné. Fiquei impressionado com a participação da Tramontina naquele mercado.
O cliente é um sujeito australiano que mora lá e apostou na nossa marca. Tinha a opção de apostar em produtos chineses. Também poderia optar por europeus, cuja maioria é fabricada na China. Optaram por algo diferente, de qualidade. Foi uma experiência espetacular. Fiquei sabendo que o censo em Papua-Nova Guiné, por conta da dificuldade de logística, foi feito via satélite, medindo a temperatura das pessoas. A temperatura de animais é diferente da do ser humano. Foi uma curiosidade que nos chamou a atenção.
Qual foi o roteiro da viagem?
Foi uma viagem longa. Começamos em Dubai. Também fomos para Indonésia, Malásia, Cingapura e Austrália. Não tem nada em Papua-Nova Guiné, mas há produtos da Tramontina (risos). Fiquei uma noite lá. Chegamos em um sábado e fomos embora no domingo. O pessoal diz que viajar cansa, mas eu nem caminhei (risos). É como o pessoal que fala do fuso do horário. Colocar no relógio 3h ou 15h é a mesma coisa (risos).
Você afirma que não tem "mimimi" para trabalhar. Fale um pouco sobre isso.
Tenho esclerose múltipla desde 1980. Fui diagnosticado em 1986. Levou seis anos. Na época, quase ninguém sabia o que era essa doença, só quem havia estudado fora. Ressonância magnética era algo que só havia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde fiz a minha. Então, começamos o tratamento. Gostava de jogar futebol. Não jogava bem, ia mal. Como não podia mais, comecei a assistir a jogos. E a patrocinar (clubes como Grêmio e Internacional). É preciso entender suas limitações. Desde 1997, tomo Interferon e nunca mais tive crise. Vale a pena.