Há oito meses na presidência do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques vem realizando mudanças profundas na política da instituição: voltou o foco para as micro, pequenas e médias empresas e avisou que quer acompanhar de perto a execução dos projetos que o banco escolher financiar. Em entrevista exclusiva a Zero Hora, garante que não faltará crédito para o Badesul – que chegou a ser suspenso por duas semanas no ano passado após problemas com inadimplência de clientes – e que não faz objeção ao Estado contar com três instituições públicas atuando como repassadoras do BNDES:
– Com maior alinhamento, melhor governança e planos discutidos, não há problema.
No currículo, a executiva coleciona posições de destaque. Foi presidente do Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a maior siderúrgica integrada da América Latina, onde ganhou a alcunha de "Dama de Aço". Antes disso, foi secretária de Fazenda da prefeitura do Rio de Janeiro. Lá, ficou conhecida como "a mulher de 1 bilhão de dólares", montante que conseguiu amealhar para os cofres da cidade em seus últimos meses no cargo.
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Uma das raríssimas mulheres a circular no alto escalão do sistema financeiro brasileiro, afirma que as empresas estão mais preocupadas com a diversidades da equipe e conta que na diretoria indicada por ela metade do time é de mulheres.
Na rápida passagem pelo Rio Grande do Sul essa semana, aproveitou para visitar uma propriedade rural no interior de Teotônia, mostrando que o banco pretende dar um olhar mais atencioso ao agronegócio daqui para frente – 16% dos desembolsos já são voltados ao setor. Confira os principais trechos da entrevista:
No ano passado, o Badesul passou por uma situação bastante delicada, foi obrigado a olhar com mais atenção a qualidade da carteira de crédito e chegou até a ser suspenso pelo BNDES por duas semanas. Outras agências de fomento estaduais também puxaram o freio de mão no repasse de recursos. A atuação dessas agências preocupa o BNDES?
Olhamos para as agências de forma muito atenta. O credenciamento do Badesul não está suspenso. A instituição está no que chamamos de fluxo financeiro. Não está deixando de emprestar. A crise que o país atravessou nos últimos dois anos deixa sequelas, inclusive nas carteiras de crédito dessas agências e dos bancos em geral. Houve reflexo da inadimplência. Conversamos também com o BRDE. Não faltará crédito para essas instituições. Estamos trabalhando de forma próxima para evitar problemas. O Badesul não está desassistido, tem crédito para financiar o que é necessário. Em qualquer tipo de questão, todas as instituições sabem que devem nos procurar imediatamente, porque resolveremos as situações. Estamos muito atentos. Não faltará crédito para a retomada.
No RS temos pelo menos três bancos públicos (Banrisul, Badesul e BRDE) atuando como repassadores do BNDES. Não há, de certa forma, uma sobreposição entre eles?
São missões diferentes. O Banrisul é comercial. O Badesul, de desenvolvimento. O BRDE não é só gaúcho (risos), com função mais abrangente. Para o tomador de crédito, é algo positivo, porque há maior concorrência. Com maior alinhamento, melhor governança e planos discutidos, não há problema. Para o BNDES, quanto mais repassadores, melhor também. Isso aumenta a capilaridade do banco. O BNDES está investindo muito em plataformas digitais que possibilitem que nosso crédito seja cada vez mais capilarizado e atenda na ponta a necessidades dos tomadores.
A senhora é uma das pouquíssimas mulheres em cargos de liderança no sistema financeiro. Também é uma das únicas mulheres no primeiro escalão do governo Michel Temer. Por que, em pleno século 21, a participação feminina ainda é tão pequena?
Essa resposta eu não tenho. Mas o que eu sei é que não é uma indagação só no Brasil. É meio mundial. Muitas empresas têm uma participação forte de mulheres, mas na medida em que se sobe a hierarquia, isso vai diminuindo. Cada vez mais há olhar atento para isso. As empresas estão entendendo como a diversidade é importante, não só a diversidade de gênero. Nos setores pelos quais passei, sempre fui pioneira. Isso aconteceu de maneira natural. Hoje há preocupação com isso. Não acho que seja modismo. É um entendimento de que o olhar diverso traz enorme contribuição. A diversidade pode ser geográfica, de gênero, de raça, até de idade. Ter o olhar diverso acrescenta muito para as empresas. Na siderurgia, uma atividade muito masculina, a visão feminina agregou muito na questão pessoal e no olhar mais humano. Valorizo isso. No BNDES, há mais homens do que mulheres, mas há grande participação feminina. Na diretoria, indicada por mim, é meio a meio. As experiências, os perfis e os temperamentos são bem diversos, e isso é muito bom.
Com o envolvimento de diversos tomadores de empréstimo em esquemas de corrupção, a credibilidade do BNDES sofreu um forte desgaste nos últimos anos. Qual é o desafio de assumir uma instituição tão relevante, mas com a imagem tão arranhada?
Quando entramos em um lugar, entramos em uma instituição. Minha lealdade é com a instituição, não com as pessoas. Às vezes, entendem isso de maneira equivocada. Parece que não tenho compromisso com as pessoas. Não é isso. Ao ter compromisso com a instituição, existe compromisso com a casa. Tudo que diz respeito ao banco é de minha responsabilidade. Procuramos resolver as questões. Um exemplo são as exportações de bens e serviços, tema delicado para o banco. Repercutiu muito em sua imagem. Temos plano para o futuro e estamos resolvendo o passado. Minha forma de administrar é com foco grande no curto prazo, mas pensando no médio e no longo prazo. Teremos planejamento estratégico de longo prazo neste ano, em maio. Nossa intenção é desenhar estratégia para o BNDES até 2030. Teremos evento muito importante em abril, com os principais bancos de desenvolvimento do mundo. Discutiremos formas de atuação dos bancos de desenvolvimento em economias estáveis para entender nossa missão.
É bastante comum ouvirmos que o empresário brasileiro é um "capitalista de Estado", reclama da interferência do governo, mas só investe se recebe incentivos públicos. Para a presidente do maior banco público de fomento, essa crítica faz sentido?
É um pouco do temperamento humano. Todos querem ajustes. A visão de país é fundamental. Essa visão não é só do empresariado. O Brasil como um todo deve entender que somos parte da solução. Individualmente, ninguém pode sair ganhando quando o país está perdendo. Não sou feliz dentro de casa enquanto o mundo desaba lá fora. A crise traz a oportunidade de pensar em qual país queremos no futuro. Acho que falta essa visão de curto e médio prazos. Onde queremos estar daqui a cinco ou 10 anos? Que país queremos ser em termos de educação e saúde? É preciso colocar metas e persegui-las. Não acredito em outra forma de construção de país. Tem de ser juntos. O empresariado é parte disso, não é só isso. A visão de curto prazo não pode se sobrepor à visão de médio e longo prazos. Estamos em uma crise profunda, que levou o país 10 anos para trás. Talvez pudesse ter sido evitada se houvesse a visão de médio e longo prazos.
No último ano, o percentual de recursos do BNDES destinados ao agronegócio deu um salto, pulando de 10% para 16% no total de desembolsos do banco. Por que esse olhar especial para o campo? A indústria não tem respondido como esperado?
É uma questão de micro, pequenas e médias empresas, na qual o produtor rural também está inserido. O BNDES sempre será o banco de grandes projetos, não só da indústria. Talvez o olhar atencioso sobre micro, pequenas e médias empresas seja a novidade. Gostaríamos de ser reconhecidos como o banco que apoia e incentiva esses negócios. Todos os movimentos recentes do BNDES têm sido nessa direção, como, por exemplo, a ampliação do prazo da Finame (Agência Especial de Financiamento Industrial), de cinco para 10 anos, e da receita operacional bruta de médias empresas de R$ 90 milhões para R$ 300 milhões.
Estamos nos aproximando dos nossos parceiros. A visita ao Sul tem esse objetivo. Temos parceiros importantes na região, muitos voltados para o agronegócio. Hoje, 45% da carteira de crédito do Sicredi é rural. Abrange um universo enorme, de micronegócios, pequenos negócios e profissionais liberais. Tivemos no BRDE outro parceiro importantíssimo. Conversamos com a Cresol (Cooperativa Central de Crédito Rural com Interação Solidária, de Santa Catarina), outro parceiro importante. Nosso objetivo é entender a realidade, alinhar nossas estratégias e entender os grandes desafios para o banco atuar de maneira mais eficiente. Eficiência é a palavra.
O BNDES também quer propor alterações no Plano Safra?
Desde que entrei no BNDES, há oito meses, o Plano Safra tem sido colocado em discussão. Percebemos que havia uma questão de governança. A safra agrícola é diferente de qualquer outra atividade econômica. Tem data para acontecer. Se há problema de escassez de recursos ou de não previsibilidade, é afetada de maneira irreversível. Estamos propondo mudanças para que haja mais previsibilidade. Uma das propostas é que, em vez de haver financiamento anual, seja de dois em dois anos. No plano federal, queremos melhor definição das atribuições de cada uma das entidades financiadoras. O BNDES não é a única. A vocação do banco é muito voltada para investimento. Entendemos que faria mais sentido para o BNDES concentrar os recursos para investimento , (deixando o Banco do Brasil responsável pelo custeio).
*A colunista Marta Sfredo está em férias