Depois de deixar, em abril passado, o comando do Sicredi, Ademar Schardong assumiu a presidência regional do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-RS). Explica que tinha uma "dívida de gratidão" com a entidade que o premiou, como profissional, por duas vezes.
Do alto de sua experiência de 35 anos no sistema financeiro, garante que o abalo do BTG Pactual não embute risco sistêmico, mas não oferece muito conforto sobre o futuro da economia: 2016 será igual ou pior do que este ano, e o ciclo recessivo, desta vez, será mais longo do que o habitual. Em compensação, não vê sinais de depressão econômica, apenas uma clássica e superável recessão.
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Qual o será o impacto das dificuldades enfrentadas pelo BTG Pactual no mercado financeiro?
O contexto atual das instituições financeiras não pode ser comparado ao de 20 anos atrás. Temos um sistema financeiro robustecido. Concentrou-se muito, é verdade, mas não dificuldade em afirmar que os efeitos da prisão do presidente do Pactual vão se restringir ao banco e seus credores. Não há risco sistêmico.
Isso pode ser dito sem medo de errar?
Tenho plena convicção de que vai se restringir ao banco e a seus investidores. Não haverá problema de risco sistêmico. Se houver pequenas instituições financeiras que concentram ativos em passivos desse banco, essas instituições vão sofrer, mas são casos pontuais. Não conheço em detalhes os ativos e passivos do banco mas, conhecendo todas as medidas e seus impactos tomadas em relação a instituições financeiras nos últimos 20 anos. Hoje 90% do mercado de varejo está concentrado em cinco grandes instituições: Caixa, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander. Essas instituições estão muito bem calçadas em termos patrimoniais. Além disso, há o controle online do banco sobre riscos de instituições.
Ajuda o fato de o Pactual não atuar no varejo?
Sem dúvida. O mercado de capitais é mais restrito a grandes investidores, que têm estrutura para mitigar riscos e não costumam colocar todos os ovos na mesma cesta. Por isso a convicção de que não trará uma queda em dominó de pequenas ou grandes empresas. Algumas vão sofrer, mas não a ponto de ter a sobrevivência ameaçada.
Não será isso que vai acrescentar um ponto à queda do PIB?
Não, está suficientemente ruim. A situação da economia brasileira apresentava todos os sintomas para confirmar as projeções mais pessimistas. Não devemos tratar como uma questão de otimismo ou pessimismo, temos de ser realistas. A economia está em recessão, não por eventos presentes, dos últimos meses, mas por uma questão estrutural da economia. E vai se agravar para 2016. Viveremos talvez a repetição do que aconteceu neste ano, acrescida dos efeitos que a recessão deste ano terá sobre o próximo. Em 2016, teremos inflação elevada, de 7% a 8%, juro alto, de 14% a 15%. Câmbio elevado e uma nova recessão de no mínimo 3,5% a 4%, com queda no emprego, redução brutal nos investimentos, dificilmente haverá superávit primário. Tudo colocado no caldeirão, vai dar um caldo bastante indigesto para a economia brasileira. Quem vai amargar o maior prejuízo é o consumidor, o trabalhador, a pequena empresa. O problema é que o investimento público está comprometido pelo ajuste e os privados, pelo desgoverno do Brasil como sociedade. O risco Brasil aumentou muito, quem vai se animar a fazer investimentos de longo prazo com instabilidade jurídica e resultados pífios das empresas?
Confira, na íntegra, a entrevista com Ademar Schardong:
Qual sua posição sobre o debate sobre se o Brasil está em recessão ou depressão?
É recessão. As perspectivas de longo prazo são muito boas. O Brasil é um país rico, especialmente em condições de produção, tem uma matriz industrial subaproveitada, um setor agropecuário fortíssimo, que consegue surpreender com boas safras. O problema é que nada ocorrerá no curto prazo. Nada vai se transformar sem que mudemos os pilares e a prática da gestão pública e privada. Temos um problema cultural extraordinário, em que o Estado sempre teve papel preponderante quando deveria ter papel de equilíbrio. Para mudar essa cultura de gestão é necessária a queima de uma geração, é um projetos de 25 anos.
E qual a diferença entre depressão e recessão?
A depressão ocorre quando se perde toda a possibilidade de operar a economia. O Brasil tem um mercado interno forte, e precisa produção para isso, temos commodities que interessam a outros países e algumas reservas institucionais capazes de suportar crise mais profunda do ponto de vista monetário. Temos de adotar medidas de ajuste fiscal nas famílias, nas empresas, nos municípios, nos Estados, na União, para gastar o que efetivamente produzimos. Isso é desenvolvimento sustentável.
Do que vai depender a recuperação?
Crises são cíclicas. Dados históricos de muitos países mostram que todas as sociedades enfrentam crises e são cíclicas. Este período de crise será mais extenso, mais longo, porque agora não dá para maquiar. Temos de fazer mudanças em pressupostos da gestão operacional, financeira e estratégica das organizações. Isso demora um pouco mais. Quando a gente se reúne, a conversa com colegas executivos financeiros que operam no mercado, há a tentação de imaginar que os próximos três anos serão de ajustes. A partir de então pode ter viés de mudança no panorama ruim deste momento. Isso não quer dizer que mundo vai acabar. Vamos sofrer tanto quanto fomos capazes de gerar esse sofrimento. Vamos precisar reduzir gastos e ser mais seletivos nas prioridades, abrir mão de anseios, seja no âmbito público, privado, lucrativo ou não lucrativo.
Como passar por essa fase com um mínimo de equilíbrio?
Não tenho mal estar em função dessas perspectivas. Na medida que se tem um diagnóstico mais preciso, sabe-se para onde tem de ir. Enxergar que as coisas começam a se dirigir para esses setores pode dar o estímulo necessário. Agora teremos de atacar as questões mais cruciais que nos levaram a esse ponto. Se não dá entusiasmo, dá tranquilidade para navegar, sabe que está no caminho certo. É melhor do que ficar eufórico, como há quatro anos, com fundamentos que se sabia que trariam dificuldades para a economia. Todos, de alguma forma, teremos de ajudar. Carregaremos o fardo normal e mais um quilo ou dois. Não podemos imaginar que sem sacrifícios se possa evoluir. Se perder o emprego, ou arruma outro, ou arruma dois. ou vai ser empreendedor. Esse é o peso a mais, não tem jeito.
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O senhor deixou este ano a presidência do Sicredi, onde esteve por 35 anos. Foi uma sucessão tranquila?
Tinha convicção pessoal de que o executivo ao redor dos 60 anos precisa deixar organização para possibilitar que continue avançando no ritmo que vem avançando. Vai trabalhar com pessoas que se formaram 30 anos depois, imagina o tamanho da transformação do mundo, do mercado. Tem de acompanhar tudo isso e tocar empreendimento no dia a dia. Não tem mais disposição física, por melhor que seja a saúde. A idade traz junto uma redução da capacidade normal de trabalho. Se continuar a ser protagonista nessas condições, os bons te abandonam ou se frustram. Sempre tive essa convicção, difícil é promover. Tivemos de 2008 a 2015 para fazer isso, com processos de governança para, aos poucos, ir assimilando as melhores práticas do mercado e o que a academia recomenda. Isso permitiu fazer uma reestruturação societária, dos órgãos de gestão e acabei sendo substituído pelo meu diretor de negócios e marketing, o Edson Nassar. Fiz todo esse enredo para dizer. apesar da convicção, não foi fácil. Deixei um bom legado, mas do ponto de vista pessoal, a gente passa um momento de dor ao sair depois de 35 anos dentro mesma organização, não tem jeito. Tem um período de luto, mas fiquei feliz por duas razões: deixei uma organização que é referência e vai muito bem. Segundo, descobri que a vida não é só o Sicredi.
O crescimento do Sicredi é sustentável?
Há duas formas de crescer rapidamente, ou por estar na crista da onda da atividade ou cometendo crimes. Fora disso, não existe crescimento rápido. Para ser o que é hoje, o Sicredi precisou de 35 anos. Não é pouco. Para muita gente, pode ter começado a aparecer só nos últimos oito ou 10 anos, mas não teve um crescimento meteórico. Também não é uma empresa que tem alguns donos, é um sistema em que estão inseridas mais de cem cooperativas. Os investidores são absolutamente pulverizados e a instituição tem 3 milhões de sócios. Os riscos, por conseguinte, são pulverizados. E teve de crescer dentro das determinações do Banco Central, que exigiram composição societária, patrimonial e de risco alinhada com práticas atuais de compliance. Sua representatividade no sistema financeiro é pequena. Nos países europeus, as cooperativas de crédito representam entre 22% e 23% do mercado de varejo. No Brasil, ainda está abaixo de 3%. A diferença é que eles têm séculos e nós temos décadas.