O tempo é algo tão abstrato que precisamos de suportes espaciais para concebê-lo. Pensamos o passado como estando às nossas costas, pois o futuro estaria à nossa frente, tanto que caminhamos em sua direção. Isso nos parece tão óbvio que nem nos ocorre que possa ser uma construção cultural.
Os Aymaras, a segunda maior etnia ameríndia da América do Sul, pensa de outra forma. Eles percebem o passado estando à frente, logo, o futuro estaria atrás. O argumento deles para esta concepção é muito bom. O passado foi visto, nossos olhos o testemunharam. Do futuro não sabemos, somos cegos pra ele, da mesma forma que não enxergamos o que está atrás de nós.
O pensamento aymara também usa o apoio espacial, mas o eixo está na percepção visual. Na verdade, é mais do que isso, o que sabemos do passado é uma operação cognitiva mais ampla, e é este ponto a que eles se referem. O passado é conhecido (visto), o futuro é desconhecido (invisível).
De alguma forma intuímos isso. O escritor inglês Samuel Taylor Coleridge usou mais de uma vez o mote da lanterna de popa para se referir ao modo como experienciamos a vida. Ele pede para imaginarmos um barco viajando na noite, só enxergando por onde passou.
Como a lanterna está atrás (popa), não ilumina o caminho que está à frente (proa). Ele usa a metáfora para dizer que navegamos em direção ao futuro, mas só compreendemos o passado. Em outras palavras, os olhos do entendimento estão na nuca.
A maior vantagem de estudar outras culturas está em entender melhor a nossa. Passamos a perceber que algo que damos como natural pode ser apenas uma convenção cultural. Ou seja, é a nossa forma de entender um ponto, e não a única, e nem sempre a mais rica para ajudar o pensamento.
Como temos uma tecnologia muito mais avançada, olhamos para os povos autóctones com soberba, como se eles não tivessem nada a nos ensinar, ou a nos fazer pensar. Talvez uma das ignorâncias que temos, quando o assunto é o futuro, seja acreditar demasiado nele, a tal ponto de desprezarmos o que vem do passado. Afinal, é lá que habita a experiência, não só a dos velhos, mas a dos povos antigos, que tantos futuros afoitos apagaram do nosso acervo de saberes.