Pena que insônia não seja modalidade olímpica, eu traria medalhas ao Brasil. Geralmente acordo ao redor das 5h. Não recomendo, mas é uma boa hora para escutar a sinfonia dos sabiás — uma incrível massa sonora, de uma harmonia alegremente confusa, que preenche a quietude das ruas vazias.
O doce da música deles me acalma, soa como uma variação do silêncio, uma transição suave para o modo citadino de barulho. Nessa hora a cidade ainda está sossegada, cedendo passagem aos sons da natureza.
Quem estuda os sabiás diz que na cidade eles cantam mais cedo por causa do barulho urbano. O canto faz parte tanto de demarcação de territórios como da corte amorosa. A escolha do namorado pela fêmea depende da performance artística do macho.
Com menos floresta, as aves migraram para a cidade. Encontraram comida abundante, tanto no nosso lixo como na ração para animais. Se der sopa com a comida dos bichanos, ela vai para o bico. A natureza está sempre se adaptando.
Com a chegada da primavera, muitas espécies voltam da migração, podemos ouvir à volta o guincho da lava a jato, o gorjear dos sopradores de folhas e das motosserras no cio. Conforme a proximidade a uma obra, ouvimos o canto das betoneiras, das britadeiras e do bate-estacas, gestando o ciclo do cimento.
Ao fundo, outras vozes da cidade respondem a tudo que floresce. O chiar dos freios dos ônibus nas paradas, as motocicletas grasnando irrequietas na colheita de pacotes, o sibilar das sirenes na sua urgência da vida. Nas ruas, roncando o motor e buzinando, cada um faz a sua parte.
De tanto em tanto, passa um caminhão velho, ameaçado de extinção, que, ao sacudir, nos brinda com toda a gama dos sons metálicos possíveis. Sobrepondo-se a todos os cantos, irrompe o helicóptero, quebrando a monotonia dos sons difusos.
Nos fins de semana, o bramir das roçadeiras e dos cortadores de grama animam nossos ouvidos. Elas fazem o chamado ao dia, para os que tardam na cama, e também para aqueles que querem sestear depois do almoço. Na falta deles, mas no mesmo espírito, temos o trinado das furadeiras, nos convocando para a felicidade que é estar acordado à revelia. E há quem culpe o sabiá por dormir pouco.