Suzana Herculano-Houzel, uma das nossas mais respeitadas cientistas, deixou o Brasil. Suas pesquisas sobre o cérebro, que envolveram um método inovador para a contagem de neurônios e que abriram caminhos surpreendentes para se compreender a própria evolução dos seres humanos, passaram a ser realizadas na Universidade de Vanderbilt, em Nashvile, Tennessee (EUA), uma das melhores instituições acadêmicas do mundo. Parece algo tão natural, mas não. Suzana gostaria de ter permanecido no Brasil e, ao longo de sua vida, recusou inúmeras possibilidades para construir sua carreira no exterior. Na verdade, ela foi derrotada pela miséria cultural brasileira e pela vocação insuperável em favor da mediocridade que caracteriza nossos governos.
Há muito tempo, o Brasil perde inteligência e promove burrice. Para compreender as dinâmicas que alimentam esse ciclo perverso, vale muito ler o artigo de Suzana ("Bye-Bye Brasil") publicado na edição de maio da Revista Piauí (disponível em http://goo.gl/wvDXuf ). O que ela demonstra é que as regras que estruturam o serviço público – incluindo as Universidades brasileiras – não estimulam a excelência. Isto começa pelos princípios que orientam a remuneração dos servidores e pela forma como se assegura a estabilidade. Em muitos países, a estabilidade é uma condição especial e sempre acompanhada por mecanismos que permitem aferir desempenho. Suzana assinala que o mais comum é que professores, por exemplo, sejam contratados por períodos de cinco anos, renovável mediante avaliações rigorosas pelos pares e por desconhecidos. No Brasil, após o concurso público, há um prazo de estágio probatório de três anos, mas a regra que opera, de fato, é que todos os concursados passam pelo período de prova. Para ser reprovado, "seria preciso que o servidor cometesse um crime hediondo, e olhe lá", diz ela. Uma vez alcançada a estabilidade, seguimos sem critérios efetivos de avaliação de desempenho e os mais brilhantes e dedicados servidores receberão o mesmo que os tacanhos e descompromissados. Nos Estados Unidos, diz Suzana, a estabilidade (tenure) "é algo a que se recorre com cautela, pois não há segunda chance. Quando um professor pede tenure numa universidade e não recebe, deve buscar emprego em outro lugar". Outro ponto que ela aborda é a ausência de centros de excelência no País. Em todo o mundo, os pesquisadores mais promissores são disputados pelos melhores institutos de pesquisa, que oferecem salários maiores e prêmios de produtividade para atraí-los. No Brasil, pelo contrário, quem falar em critérios de excelência será imediatamente classificado como "elitista" e amaldiçoado por cavaleiros hunos à direita e à esquerda. Nos protocolos vitoriosos do Estado brasileiro, mérito é palavrão e insuficiência é direito.
Suzana Herculano-Houzel é uma pesquisadora em ciência básica que produz nas fronteiras do conhecimento. Um dos seus últimos projetos de pesquisa no Brasil foi orçado em R$ 125 mil, dos quais ela obteve R$ 50 mil do CNPq. Os valores atestam uma realidade trágica: é ridículo o que o Brasil investe em pesquisa básica. O problema, por óbvio, não é a falta de recursos, mas a falta de um projeto para o País. No Brasil da isonomia, da estabilidade e da ausência de critérios meritocráticos, o BNDES empresta R$ 4 bilhões ao estaleiro OSX de Eike Batista que virou pó; um dinheiro que nunca retornará aos cofres públicos. Em Pindorama, não se cogita empregar recursos desta monta em pesquisa, claro. Aqui, vigora um capitalismo delinquencial de Estado pelo qual se financia o andar de cima com recursos públicos e com corrupção. Centenas de grandes empresas tomam empréstimos a juros subsidiados pela viúva e, não contentes com isso, não pagam o que tomaram. As dívidas, então, são judicializadas, formando um estoque de pendências que se dissipam em recursos e jeitinhos, e os pagamentos ajustados para as calendas gregas. Esse mesmo pessoal defende o liberalismo e o Estado mínimo. Ahã.
Um país que não valoriza a ciência promove o obscurantismo, o preconceito e o desperdício. O caso de Suzana me parece outro sinal de que o Brasil precisa ser reinventado. Um sinal ainda mais triste, porque não percebido.
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