O Millôr dizia que há um instante na vida de qualquer pessoa em que ela pensa: nunca me senti tão feliz como neste exato momento. E que em seguida vem outro pensamento: nunca mais me sentirei tão feliz como agora. Eu me lembrava do Millôr contando que seu momento fugidio de prazer inédito viera dirigindo um conversível pela Avenida Atlântica, em Copacabana. Ainda moço, bem pago (na revista O Cruzeiro, que circulava por toda a América Latina), festejado como humorista e pensador, sentindo a brisa do mar nos cabelos que ainda existiam, o Millôr tinha todas as razões para dizer daquele momento: é este. E, como este, nunca mais.
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Mas no almoço em homenagem ao Casé, há dias, no Guimas, o Ziraldo liquidou com a minha memória. Segundo o Ziraldo, Millôr nunca teve um conversível. Teve outros carros flamantes, mas nunca um conversível. Talvez, pensei, ele descrevera outro carro e outro momento de felicidade e eu inventara um conversível para ele cruzar pela Copacabana dos anos 1950, achando que era o que ele merecia.
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Nós caminhando na direção de casa, a Mariana na minha cacunda (grande palavra, "cacunda"), a Fernanda pela mão, as duas pequeninas, o Pedro ainda por nascer – pronto, meu momento. Mas não posso dizer que outros momentos, antes e depois, não chegaram perto. Desmenti a segunda parte da filosofia do Millôr: tive momentos reincidentes de felicidade, mais do que a maioria de pessoas com menos sorte do mundo. Nunca disse "nunca mais". E ainda viriam a Lucinda e o Davi para alegrar as nossas vidas, se bem que eu não possa carregar mais ninguém na cacunda.
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Muitas vezes o instante não é reconhecido no momento em que acontece, só depois. Nada mais triste do que a frase "eu era feliz e não sabia". Mas, segundo o Millôr, a pessoa sempre sabe. O momento pode vir como uma vontade incontrolável de rir ou de chorar, ou simplesmente como um calor bom na barriga. Fique atento e não desespere. Seu momento ainda pode estar por vir.
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INACREDITÁVEL
Inacreditável o que o governo estadual quer fazer com a TVE, a Rádio Cultura e outras fundações e instituições culturais gaúchas, num atentado à inteligência e à criatividade do Estado, que perde seus espaços enquanto rareia a criatividade do governo para gerir a crise.