Saiu agora um livro que me dá inveja: A Porta do Chapéu – Crônicas em Paris, de Celso Gutfreind (editora Class). Inveja porque é muito bom mas também porque o Celso finalmente reuniu uma porção de crônicas escritas a quente em Paris, quando lá morou no estendido tempo entre 1996 e 2001. Vivência lá, o Celso tem mais do que quase todo mundo, e essa matéria é a base do livro, misto de memória e crônica.
Pensa o seguinte: ele estudou lá, fez seu doutorado, mas também trabalhou no serviço público de saúde, atendendo crianças em situação ruim, muito ruim e pior ainda – filhos de imigrantes muitas vezes, frequentemente sem pai e mãe, não raro vítimas de violências as mais variadas. (Psiquiatra, o Celso já escreveu sobre essa experiência, em que aproximou a literatura, a narrativa, da terapia: crianças com imensas histórias tristes para contar, que muitas vezes nem sabiam como começar a contar, que de repente encontravam nos Três Porquinhos, por exemplo, um jeito de simbolizar a vida.)
O Celso encontrou gente, reencontrou gente, leu, passeou, foi ao cinema, fez algum amigo, observou a vida daquela cidade infinita e voltou aqui para contar. Eis o mérito básico da coisa toda: um de nós que foi lá, conferiu de perto e agora conta. Permitida a cabotinice, eu penso também em reunir em livro minhas experiências por lá – mas, seguindo o conselho mudo do Celso, preciso esperar mais uns 10 anos.
Quanto ao texto, o que me chama a atenção é que na obra do Celso, basicamente um poeta, há também esse lado prosador. Em parte, esse lado também quer o efeito, busca desalojar o leitor de seu conforto, como faz a poesia; mas prosa é isso, essa linguagem tirada direto da vida simples. Como diz, cada vez com mais razão, o Bakhtin, prosa é dialógica, acolhe tudo, enquanto a poesia é monológica, é uma vez falando e exigindo ser ouvida.
Assunto para conversa longa. Por enquanto, pegue lá o livro, que aliás tem como nome um erro de tradução, que o Celso sabe que é erro mas que escolheu manter, em homenagem, talvez, ao diálogo entre ele lá, cancheiro na língua local, e o ele cá, antes de ir, caipira como todo mundo se sente naquela cidade.