Nos tempos de Inter, João Paulo Mior sempre teve um estilo mais descolado. Destoava dos demais jogadores pelo jeito de vestir, mais parecido com alguém do rock do que do futebol. Pois o destino da bola o levou justamente a Seattle, berço do movimento grunge e terra de bandas como Nirvana e Pearl Jam.
O meio-campista acaba de finalizar sua primeira temporada no Seattle Sounders. Não foi o desfecho perfeito, afinal, no sábado (12), perdeu o título da Major League Soccer (MLS) ao levar 3 a 0 do Columbus Crew. Mas o saldo foi positivo, com a conquista da Conferência Oeste e a afirmação em um mercado em crescimento.
Antes de pegar o caminho de volta para o Brasil, com a mulher, Bruna, e os pequenos Joaquim, dois anos, e Helena, um ano, João Paulo conversou com a coluna.
Confira a entrevista com João Paulo
Como foi esse primeiro ano nos EUA?
Dá para dividir em duas partes, pela pandemia. Iniciei com a Concachampions. Fomos eliminados em dois jogos. Empatamos ambos em 2 2 e perdemos nos pênaltis. Mas fiz dois gols e dei assistência. Depois, fizemos duas partidas pela MLS e tudo parou. Foram cinco meses sem jogar. Veio o desafio de se manter em forma, primeiro em casa e, depois, em trabalhos individualizados no clube. Foi difícil. Depois, fomos para Orlando, jogamos um torneio na bolha criada pela MLS. Fiquei de fora por lesão. Na volta, retomamos a Liga. Chegamos à final da MLS Cup, vencemos a conferência, mas perdemos a final.
Como foi a experiência de jogar numa liga emergente como a MLS?
Totalmente diferente. Não é mil maravilhas, como muitos imaginam, que seja diferente da grande parte dos clubes do Brasil, que se vá encontrar apenas coisas positivas. Há alguns pontos a serem melhorados. O soccer, como eles chamam, não está entre as primeiras forças. Mas os norte-americanos têm no perfil deles sempre serem mais profissionais e avançar. Não há problemas com relação a questões financeiras, são muito preparados nesse sentido.
O que precisa ser melhorado?
Há questões a serem melhoradas até mais em relação a treinamento, à experiência de viver o futebol. Coisas que no Brasil temos naturalmente por ser o país do futebol. Poderiam melhorar academia, vestiário. Aqui nos EUA, eles estão atrás nisso, claro. Mas pode apostar que, nos próximos anos, darão um salto muito grande no futebol. Eles estão lançando bastante jogadores jovens no mercado europeu. Aposto que, em 12, 15 anos, os EUA aparecerão muito bem nas Copas do Mundo.
Há uma vantagem aí pelo fato de os norte-americanos já terem a receita de sucesso de outras ligas, como basquete, beisebol e futebol americano.
O que falta para eles é mais experiência dentro do futebol, essa cultura já enraizada no brasileiro. Eles estão ganhando-a, se conhecendo, se adaptando. Em termos de preferência do público, o futebol é o quarto ou quinto. Ou seja, ainda há teto para crescer. Se não há essa experiência toda, por outro lado há o lado profissional deles. A minha contratação pelo Seattle foi um processo de seis meses. Primeiro, forma me observar. Depois, analisaram dados. Assistiram a dois jogos meus com o Botafogo. Fizeram duas entrevistas comigo. Esse lado deles é muito positivo.
Mesmo sendo uma temporada sem público, deu para perceber como a MLS lida com a organização dos jogos e o marketing em torno deles?
Por causa da pandemia, não tive uma visão ampla de tudo. Só peguei dois jogos em casa com torcida. Mas já tive experiências com o modo americano de organizar eventos, por assistir a jogos de NBA e NFL. Sempre gostei de esportes americanos. Eles fazem o jogo inserido dentro de um show. No intervalo, sempre tem atrações, fotos de artifício. Há atividades ao redor das arenas. Tudo funciona. A questão de transportes, segurança, há uma série de fatores que ajudam a formar uma liga forte. Você pode ir com a família ver um jogo e escolhe se usa trem, metrô, ônibus e até bicicleta. No Brasil, não temos essa facilidade, há sempre a preocupação com segurança.
Como é o seu clube, o Seattle Sounders?
São 12 ou 13 sócios. A fatia maior é do quarterback do Seattle Seahawks (Russel Wilson). A mulher dele, uma cantora conhecida aqui, também é acionista. Tem também um ídolo do beisebol local que virou sócio há pouco tempo. Um outro sócio é um cantor famoso daqui. A comunidade é muito unida e forte com os times daqui. Já tivemos patrocínio na camisa do Xbox, numa relação com a Microsoft. Por ser o campeão da MLS em 2019 e estar há 12 anos seguidos participando dos playoffs, marca inédita, nosso time carrega uma história positiva, embora seja jovem.
O futebol é um esporte muito praticado nos EUA entre as crianças, mas depois ele acaba perdendo espaço para modalidades como o basquete e o futebol americano. Você percebe mudança nisso?
Foi uma pergunta que fiz aqui: por que o soccer não é tão praticado como os outros esportes? No Brasil, você tem uma ou duas modalidades como opções, e o futebol é quase sempre a primeira. O primeiro presente é sempre uma bola. Aqui, isso está mudando, o soccer começou a crescer. Há jovens jogadores locais indo para grandes centros na Europa, a média de idade na MS é baixa. Os outros esportes estão na frente por oferecerem mais oportunidades nas faculdades, cujas competições são muito fortes, e aí já entra o lado financeiro também.
A estratégia de investimento dos clubes ajuda nessa baixa média de idade da Liga?
Eles viram que é possível contratar bons jogadores e mais jovens, com potencial para transferência futura e que permita fazer dinheiro com isso. É bem mais difícil ver contratações de atleta com 35, 36 anos. A média de idade das equipes caiu rapidamente, e isso fez a MLS ficar mais competitiva.
O Inter tem o Johnny, volante de 19 anos da seleção principal dos EUA. O que se fala dele aí?
Um jogador norte-americano do meu time me perguntou sobre ele. Contei que, por coincidência, também tinha surgido no Inter. Quando ele foi convocado, vi no noticiário algo relacionado a ele. É surpreendente esse caso, até por ser um jogador muito jovem e já estar numa seleção como a dos EUA.
Você passou três anos no Botafogo. Como vê a situação do clube?
Acompanho, por vezes, consigo até assistir a um ou outro jogo. Vi parte da partida de sábado, contra o Inter. Percebe-se que é um time a ao qual falta confiança. Há muitos problemas dentro do Botafogo, financeiros, políticos. Vemos isso em outros clubes, claro, mas no Botafogo já dura muito tempo. Em um ano ou outro, se consegue fazer um bom time e ficar longe dessa zona de desconforto. Mas não é sempre. Neste ano, vai ser muito difícil, sendo bem realista. Não tem moleza no Brasileirão. Não sei de detalhes internos, embora tenha muitos amigos lá, mas o que vejo daqui é que o time joga sem confiança. Talvez o Barroca consiga dar uma organizada e tirar o time dessa situação.
Para finalizar, como foi esse primeiro ano de vida em Seattle?
Temos gostado bastante. Não é uma cidade turística, e isso traz uma qualidade de vida muito boa. Apesar das limitações pela pandemia, com muitos locais fechados e sem conseguir matricular as crianças numa escola, foi bom. A ausência da família sempre é complicado. Mas a segurança que temos, a qualidade de vida, a possibilidade de poder andar na rua sem se preocupar, isso compensa. Só de parar no sinal sem ter de olhar toda hora no retrovisor... Isso no Rio era complicado. Temos muitas experiências a serem vividas aqui. Vou assinar por mais dois anos, teremos tempo.