Mesmo um desavisado que tenha passado pela transmissão desta quinta-feira (25), feita por Jair Bolsonaro nas redes sociais, não pode deixar de perceber a mudança de postura do presidente da República. Sem palavrões endereçados aos comunistas, o chefe da nação abriu o comunicado com uma homenagem às mais de 50 mil vítimas do novo coronavírus. Pediu ao presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, que empunhava uma sanfona, para que tocasse a Ave Maria, em solidariedade aos brasileiros que perderam a vida.
Chamou a atenção justamente pelo contraste com a postura de quem sequer demonstrava sentimento pelos brasileiros contaminados até poucos dias:
"Alguns vão morrer, lamento, é a vida", chegou a dizer em março.
Desta vez, o tom foi diferente. Não houve "estrume", nem "acabou, porra". Tampouco sobrou para a democracia. O Bolsonaro "paz e amor" entrou em cena e há quem perceba forte componente político na virada de posicionamento. Acuado pelas investigações que envolvem o filho Flávio Bolsonaro e o ex-assessor e amigo da família Fabrício Queiroz - preso em operação do Ministério Público -, o presidente precisou estancar a verborragia característica de sua carreira política.
Aconselhado por militares e assessores, Bolsonaro já havia se aberto à interlocução com o Congresso, nomeando indicados pelo centrão e empossando como ministro o genro de Silvio Santos Fábio Faria, deputado com bom trânsito no Parlamento.
- Tem de ter algum tipo de diálogo - chegou a dizer um dos filhos do presidente, esquivando-se das críticas.
A aproximação com partidos cujos interesses nem sempre se traduzem em republicanos foi criticada pelo ex-ministro Sergio Moro, que afirmou que tal movimento demonstrava o não compromisso de Bolsonaro com o combate à corrupção. De fato, o então candidato Jair Bolsonaro prometera postura diferente, sem indicações políticas ou loteamento de cargos em nível federal.
A mudança traduz um movimento por sobrevivência do presidente, que sabe que um processo de afastamento no Congresso ou mesmo o avanço de um julgamento pela cassação da chapa no TSE consideram o ambiente político como componente - daí a necessidade de amarrar melhor a interlocução do Palácio do Planalto.
Se a estratégia terá êxito? É cedo para dizer. Contudo, ainda que a embalagem possa sugerir novidade, cabe lembrar que o interior é o mesmo. Bolsonaro recuou na forma. Mas, a se considerar episódios recentes, é pouco provável que tenha repensado o conteúdo.