Pode-se discordar do ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, Sergio Moro, com bons argumentos em diferentes aspectos desde a Operação Lava-Jato, mas é preciso aplaudi-lo em uma avaliação trazida à tona sobre a realidade penal no país e que vem sendo atacada com firmeza a partir da apresentação das medidas do pacote anticrime, em tramitação no Congresso: a pena hoje não é real. Disse o ministro, em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta terça-feira (22):
— O juiz sabe que a pena não é real. Com as regras de progressão, uma fração é cumprida.
Quer dizer, em pouco tempo o criminoso acaba beneficiado e o resultado é a efetivação de uma triste realidade: no Brasil, o crime compensa.
Passemos à vida real. Em um trabalho de inteligência e apuração igualmente elogiável, a Polícia Civil gaúcha prendeu, na semana passada, um homem que atacava mulheres em estacionamentos de mercados e hospitais, em Porto Alegre. De oito casos apurados, a maioria no bairro Cidade Baixa, quatro terminaram com abusos sexuais em locais mais afastados de Porto Alegre, como Restinga e Lomba do Pinheiro. Na Rádio Gaúcha, a delegada Tatiana Bastos, da Delegacia da Mulher, não descartou que ele pudesse ser autor de outros ataques, alguns deles desde a década de 80. E vejam só: este mesmo homem somava cerca de cem anos de condenações e antecedentes criminais desde a década de 80.
CEM ANOS. C-E-M anos. Mas estava em liberdade porque foi beneficiado com a progressão de regime — e, ao ser colocado em regime semiaberto, fugiu. E fez o quê? Atacou e estuprou mais mulheres. As mulheres estupradas por ele, que não cumpriu "efetivamente" a pena aplicada pela Justiça, devem se queixar a quem? A Deus? A um sistema que não pune quem cometeu irregularidades? Quanto vale a vida de uma mulher? Não é possível que não se possa refletir sobre isso — e não queremos aqui a prisão perpétua, mas por favor, que as penas sejam cumpridas.
Seguiu o ministro Moro:
— As penas têm que ser reais. O juiz sabe (hoje no Brasil) que a pena não é real. Com as regras de progressão, uma fração da pena é cumprida. Por isso que eu defendo que sejam penas reais — ressaltou.
E destacou dois casos em que propôs essa elevação da execução da pena, dentro do pacote anticrime. Primeiro, a elevação para crimes hediondos em caso de morte e ainda para em caso que o criminoso decidir se manter ligado a uma facção criminosa.
— O preso vai ter que fazer uma escolha básica. Se você for condenado por integrar uma organização criminosa, você não progredirá de regime enquanto você se mantiver faccionado. O preso vai ter que fazer uma escolha básica: me mantenho faccionado ou escolho o caminho da reabilitação. A ideia é enfraquecer as facções — explicou.
É esse o projeto anticrime que está em tramitação no Congresso. É isso que deveria ser discutido e atacado pelos nossos parlamentares. Mas não. Enquanto deputados e senadores estiverem preocupados com o "filé mignon" do filho de Jair Bolsonaro (e se ele deve ou não ser indicado para o cargo de embaixador nos Estados Unidos) ou com a repartição do fundo partidário, parece difícil acreditar que esse tema avance.