O desabafo do morador de Veneza, na Itália, me fez parar de rolar o polegar sobre a tela do celular e clicar na notícia de GZH no Instagram. Como assim, “não venham mais”? Era isso mesmo. Os venezianos - ou ao menos parte deles - estão fartos. E não são só eles.
Desde que o mundo se livrou da ameaça do vírus letal, um fenômeno que já vinha se manifestando antes da crise pandêmica explodiu na cara de quem tem a sorte e o azar (assim mesmo, tudo junto) de viver nos locais mais desejados do planeta.
É o “overturismo”, o turismo em excesso, da irresponsabilidade, da falta de educação e cuidado, dos turistas sem noção.
Se você costuma viajar, já deve ter notado. Eles estão por todos os lados. São pessoas que não apreciam a paisagem: apenas tiram fotos, dezenas, centenas delas. E selfies, muitas selfies. Não querem ler ou ouvir sobre a história, querem marcar o destino na sua “wishlist” e, claro, postar nas redes sociais. Do contrário, não tem graça.
É gente que joga lixo no chão, bloqueia a passagem, macula monumentos históricos (veja o caso do rapaz que gravou nome na parede do Coliseu, em Roma) e desrespeita espaços sagrados ou destinados a recordar episódios dolorosos. Afinal, tudo certo em posar sorrindo para a câmera diante do Memorial do Holocausto, em Berlim, não é mesmo? Como dois e dois são cinco, diria o Rei Roberto Carlos.
Antes mesmo da pandemia, em Barcelona, na Espanha, os muros já exibiam frases como “vão para casa, turistas”. O termo “overturismo” passou, então, a integrar tradicionais dicionários, entre eles o de Cambridge, que definiu o termo, em inglês, mais ou menos assim: “A situação em que muita gente visita um local nas férias, então esse lugar fica prejudicado e a vida se torna difícil para quem vive lá.”
O que é ruim, acredite, sempre pode piorar.
No caso de Veneza, a coisa está tão feia que a Unesco recomendou a inclusão da cidade na lista do patrimônio em perigo devido ao turismo de massa (e aos impactos da mudança climática, outro problemão). Enquanto isso, a multidão segue tirando fotografias, arrastando malas e tomando sorvete como se nada estivesse acontecendo.
Aquele cenário idílico e tranquilo de outrora, como nas aquarelas que ilustram esta página, já não existe mais dessa forma - talvez, apenas nos cartões postais. Ou em horários, digamos, excêntricos. Em Roma, amigos decidiram visitar a Fontana di Trevi às 5h da matina. Só assim para conseguir chegar perto sem o risco de levar uma cotovelada nas costelas.
É curioso como uma atividade econômica tão desejada em tantos lugares e tão positiva como estratégia de desenvolvimento sustentável possa desandar a ponto de se tornar nociva. No livro Overbooked, a jornalista norte-americana Elizabeth Becker chega a dizer que Veneza está “morrendo de excesso de turismo”.
Muitos dos antigos moradores deixaram o centro histórico, em um processo de gentrificação acelerado pelos aplicativos de aluguéis de temporada. Dizem que está até difícil encontrar venezianos por lá. Se vai ter volta, não sei. Só sei que turismo de verdade não é isso. É autenticidade, boa educação e respeito.