Acabamos de enfrentar mais um ciclone, os rios encheram, centenas de pessoas estão desabrigadas, o El Niño mal começou e ainda teremos novos eventos climáticos do tipo pela frente. Então, por que falar em seca agora, ainda mais no Uruguai?
O clima - como tenho insistido - não reconhece fronteiras políticas, e a crise enfrentada por nossos vizinhos não é corriqueira. É a pior em décadas, em uma nação que se orgulha de ter sido a primeira do mundo a definir a água potável como um direito fundamental na Constituição. Até pouco tempo, muitos uruguaios acreditavam que suas reservas eram infinitas - assim como pensam, hoje, muitos brasileiros.
Da forma mais dura possível, os hermanos se deram conta de que estavam errados e agora correm atrás do prejuízo. No nosso caso, a mesma história se repete a cada verão: deixamos para falar da estiagem apenas quando ela já está presente. Assim como os ciclones tendem a se tornar cada vez mais comuns, com chuvaradas, granizo e vendavais, o mesmo vale para a seca.
Em tempos de mudança climática acelerada, precisamos estar preparados para os extremos e agir para tentar reverter o quadro quando ainda é possível.
No Uruguai, o principal reservatório da região de Montevidéu praticamente se esvaiu, após três anos com chuvas abaixo da média - e um primeiro semestre de 2023 ainda pior. Há, também, suspeitas de que o reflorestamento pesado e os investimentos na produção de hidrogênio verde tenham contribuído para agravar o ressecamento do solo.
Na tentativa de amenizar a crise, a companhia nacional de abastecimento foi autorizada a captar água de forma emergencial do Rio da Prata, só que o líquido chega salobro às torneiras.
Barragens estão sendo erguidas às pressas, um equipamento dessalinizador foi comprado pelo governo, garrafas de água mineral passaram a ser distribuídas para os mais vulneráveis e até incentivos fiscais foram concedidos aos fabricantes para baratear os custos. Ainda assim, por uma conjugação de falta de planejamento e déficit hídrico jamais visto, os desafios persistem.
O Uruguai nos ensina que precisamos nos precaver. E não, não dá para esperar até a próxima seca.