Enquanto as escolas estavam de portas fechadas por conta da pandemia, duas meninas acessavam o laboratório do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) em Osório, no Litoral Norte, para um projeto extracurricular. Apesar de não contar como avaliação formal, Laura Nedel Drebes e Camily Pereira dos Santos, ambas com 18 anos, estavam empenhadas em encontrar uma solução para a pobreza menstrual, assunto que ganhou força em 2021 (leia mais sobre o tema abaixo).
A pesquisa científica, orientada pela professora Flávia Twardowski, chegou a um protótipo de absorvente produzido a partir de resíduos da agroindústria, como fibras de bananeira e açaí. Além do baixo custo (apenas R$ 0,02 por unidade), a preocupação das meninas estava voltada ao colapso ambiental que o planeta enfrenta.
Estima-se que uma mulher pode descartar até 15 mil absorventes do início do seu ciclo até a menopausa. Por ser composta em sua maioria de materiais biodegradáveis, a solução encontrada pelas estudantes se torna mais sustentável, além de mais eficiente - um teste em laboratório concluiu que o protótipo tem capacidade de absorção de 645%, enquanto um absorvente normal apresenta capacidade de 582%.
O projeto foi reconhecido na 20ª Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), promovida pela Universidade de São Paulo (USP), com o segundo lugar na área de Ciências Exatas e da Terra - e credenciado para o Prêmio Genius Olympiad (competição internacional com foco em questões ambientais). Agora, as meninas estão empolgadas para executar um estudo para escalonar a produção, além de regulamentar oficialmente o uso.
— Foi um processo desafiador. Esse reconhecimento é um retorno de todo nosso esforço — conta Camily.
Meninas na ciência
Para além dos resultados promissores, o que chama atenção é o que pode ser atingido com o incentivo à ciência e o fomento à pesquisa no início da formação dos alunos. Apesar de terem atingido a maioridade há pouco tempo, Laura e Camily estão entusiasmadas com a ideia de seguir no ramo. O olhar atento das jovens meninas se voltou para um problema que, de tão comum, fez parte da realidade da mãe de Camily. Questionadas sobre a importância de fazer ciência, as respostas delas servem de inspiração:
— É realmente muito gratificante e especial, saber que nós, meninas, podemos e somos capazes de fazer ciência, fazer acontecer. Eu achava que eu só poderia fazer ciência quando estivesse na faculdade, mas somos protagonistas dentro da nossa cidade e escola, estamos buscando alternativas. Eu descobri meu amor pela pesquisa e pela ciência — diz Laura.
Camily complementa:
— É emocionante, é sobre representatividade, eu não via a ciência como algo dentro da minha realidade. Fazer isso ao lado de outras mulheres é algo enriquecedor, essas iniciativas fazem a diferença para todas nós. É incrível ver mulheres que se impõem e se envolvem com o que gostam — conta Camily.
A SABER
Pobreza menstrual é o nome dado à falta de acesso a absorventes por parte de meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, com impactos múltiplos - muitas, inclusive, deixam de ir à escola ou ao trabalho por causa disso.
A polêmica e o desfecho
O tema em questão se tornou motivo de polêmica em 2021, quando um projeto de lei criando o Programa de Proteção e Promoção à Saúde Menstrual foi aprovado no Congresso. À época, o trecho que determinava a distribuição de absorventes pela União acabou vetado pelo presidente da República, mas, em março deste ano, o Ministério da Saúde prometeu liberar R$ 130 milhões para oferecer os produtos via SUS, a partir deste mês.