Dois vídeos circularam pela rede nas últimas semanas, e o contraste é tão ostensivo que ficou impossível não comentar, especialmente neste momento em que a autoestima dos brasileiros anda ao rés do chão e só não se espatifa porque, apesar de tudo e do trocadilho, todos reconhecem que só a minoria é patife.
Em 2003, em um jogo entre a Dinamarca e o Irã, um atleta iraniano, quase no final do segundo tempo, confundiu um apito da torcida com o do juiz e segurou a bola com as mãos, dentro da área. Apesar dos protestos, o juiz não teve outra alternativa senão marcar o pênalti para a Dinamarca, que a esta altura estava perdendo a partida por 1 a 0.
Com a torcida vibrando diante da perspectiva do empate, justo quando tudo parecia perdido, o jogador Morten Hieghorst, responsável pela cobrança após consultar o treinador da Dinamarca, Olsen, caminhou lentamente e, com um leve toque, mandou a bola para a linha de fundo. A Dinamarca perdeu por 1 a 0, mas ganhou o mundo como um modelo ético que, 15 anos depois, ainda emociona. A arquibancada aplaudindo freneticamente depois que entendeu o que ocorrera ajuda a explicar por que este pequeno grande país se orgulha de ter o menor índice de corrupção no mundo.
Era uma tarde ensolarada e, ao fundo, se identificava a Praça do Comércio, um dos pontos turísticos mais famosos de Lisboa. De repente, a câmera de vídeo passou a acompanhar um cidadão que, com sua barriguinha fora de controle, bermuda e camiseta branca pouco recomendável para o sobrepeso e um ar de turista descomprometido, caminhava tranquilamente e, depois, acelerou o passo na tentativa vã de se livrar do cinegrafista inconveniente.
Todos os brasileiros honestos, que não têm condições de se refestelar amiúde no generoso verão português, se sentiram representados quando o repórter improvisado iniciou um rosário de impropérios, dirigidos com fúria crescente a quem, feito surdo por total conveniência, tentava seguir seu passeio, definitivamente arruinado por um tipo indiscreto que brandia acusações graves, inclusive a de ter emigrado para Portugal porque o Brasil se tornara insuportável por culpa, veja só, daquele venerando senhor que, por alguma razão, tem tido dificuldade de circular no seu país de origem onde se alojam multidões de implicantes.
Nascerá um dia em que a sociedade culturalmente mais diferenciada não tolerará a prepotência boçal dos que não conseguiram ser respeitados nem por seus pares e, ao invés de se comportarem como símbolos da Justiça que representam, parecem se orgulhar da repulsa que provocam no povo humilde que deviam proteger. Quando este dia chegar, que a arquibancada se prepare para aplaudir, porque os vendilhões serão todos chutados para a linha de fundo. E não haverá segunda instância para socorrê-los.