Com a crescente qualificação da medicina, mais vidas têm sido resgatadas, para alegria dos envolvidos e orgulho dos protagonistas. O risco previsível, e que se confirmou, foi a perda da naturalidade da morte.
A dona Jandira tinha três filhos morando aqui e um militar, com sua saudade itinerante. Ao ser avisado pelos irmãos que a mãe estava às margens da morte e que não havia mais nada para fazer, exceto dar-lhe conforto, ele aportou pleno de indignação, com aquela fúria com que o médico experiente identifica a quilômetros de distância: o filho relapso, inconsolável pela consciência da perda definitiva do mais doce instrumento de amor negligenciado.
A história daquela família é a rotina para os grupos de cuidados paliativos, um dos setores da medicina em mais rápida expansão, na medida em que se tenta corrigir a grave distorção de considerar a impossibilidade de terapia curativa como o fim do cuidado médico.
Na verdade, em poucos momentos da atividade médica há tanto a oferecer quanto no final da vida, desde que se tenha clara a noção compadecida da importância da preservação do conforto, da autonomia e da dignidade.
Impossível conviver com os momentos finais de uma família sem reciclar os nossos valores essenciais. Ali estavam, lado a lado, e muitas vezes, frente a frente, os sentimentos mais comuns quando se percebe a proximidade do fim. Num extremo, o filho distante, esbravejando pela consciência do crime mais inafiançável: o da omissão de afeto. Do outro, os zelosos cuidadores, exauridos pelo esforço prolongado e inútil, que tinham chegado a um platô para eles desconhecido: o da fadiga do sofrimento, depois do qual, não havendo mais o que perder, qualquer desfecho parecerá generoso.
Em um dos diálogos finais, dona Jandira respondeu à pergunta do filho inconsolável: "Mãezinha, você não tem medo de morrer?". E ela, tomando-lhe a mão, com uma serenidade comovente, explicou-lhe: "Já tive muito. Mas isso foi antes de ter aprendido o que o sofrimento faz com a gente. E então, de repente, eu descobri que estou pronta, porque não sinto mais medo nenhum".
Exatamente o que relatam os sobreviventes das torturas mais cruéis ao descrever a inimaginável experiência do fim do medo, quando as vítimas assumem atitudes desdenhosas e provocativas que têm um efeito de perplexidade sobre o torturador, que depende do medo do torturado para sentir-se poderoso e, com isso, mascarar sua imensa covardia.
O vazio depois do medo é a resignação ou a indiferença. E nessa fase não nos reconhecemos.