O Simpósio sobre Responsabilidade Civil do Médico promovido pela Academia Nacional de Medicina foi extremamente elucidativo por colocar, lado a lado, os conceitos legais recomendados pelos bacharéis e as exigências profissionais impostas aos médicos. Ficou evidente que, com o crescimento desordenado da judicialização, estamos todos, conselheiros e aconselhados, meio perdidos.
De um lado, os advogados recomendando condutas para que os médicos reduzam o risco de demandas judiciais e, do outro, os profissionais que não podem desviar o foco do paciente, que é razão única do sistema, mas não podem simplesmente ignorar que estão sendo pressionados, sim, por novas e ameaçadoras contendas. Um especialista em direito médico disse explicitamente que os médicos, para reduzir o risco de processos, devem adotar duas condutas como norma:
1. Reduzir ao máximo o protagonismo, evitando atrair para si a responsabilidade pela evolução de cada caso sujeita às variáveis aleatórias.
2. Compartilhar todas as decisões terapêuticas com os pacientes, para que haja igual fracionamento de responsabilidades se os resultados, dentro desse modelo imprevisível, não forem satisfatórios.
Ponderei que esses conselhos não teriam nenhum impacto na bancada acadêmica formada por pessoas experientes e que, há muito tempo, tinham apreendido o que significa ser médico, mas considerava temerária a hipótese de que as dezenas de jovens estudantes ali presentes pudessem sair da Academia Nacional de Medicina com o conceito medonho de que a principal preocupação, de agora em diante, fosse o que fazer para escapar do castigo.
Recomendar que um médico deixe de ser protagonista equivale a estimulá-lo a abandonar a profissão, tão impossível seria não tomar decisões. Afinal, é para isso que recebemos um treinamento que, em muitas situações, chega a uma década e meia, quando, então, recebemos o brevê para seguir estudando sem parar, pela vida afora, na tentativa cada vez mais desafiadora de acompanhar a efervescência do conhecimento médico.
Por outro lado, o proposto compartilhamento das decisões terapêuticas, em nome do pretenso respeito ao direito que todo indivíduo tem de optar pelo tratamento que preferir, é uma iniciativa hipócrita que pretende apenas colocar o médico na defensiva, se o projeto terapêutico for malsucedido. Em nome dessa preocupação dissimulada em cidadania, o que se vê é um leigo submetido à massacrante necessidade de tomar decisão técnica sobre um tema que desconhece completamente.
Ponderei que se, como leigo, fosse confrontado com esta exigência, eu anunciaria o desejo de ouvir uma segunda opinião. E intimamente saberia que esta delicadeza era apenas uma máscara gentil para dissimular o desejo, quase irreprimível, de confessar que jamais me trataria com um especialista que não soubesse o que era melhor no meu caso. Argumentei que o melhor conselho para se dar a um jovem médico é que ele se esforce para conquistar a confiança do paciente numa relação afetiva e carinhosa, para que isso lhe desse a certeza de que saberíamos o que era melhor para ele, e que, quando não soubéssemos, saberíamos de quem soubesse. Completamente convencido que, na subtotalidade dos processos médicos, houve um evidente ou disfarçado atropelamento da sensibilidade de alguém, confessei que se um dia, o entusiasmo que me tira de casa toda manhã fosse substituído pela preocupação do que fazer para não ser processado, eu, provavelmente, fecharia a porta. E, talvez, jogasse a chave fora.