Uma das maiores vantagens do magistério é manter uma parceria constante com o tempo presente, no jeito de pensar e de sentir. A proximidade com a juventude mantém conectados os sensores da contemporaneidade e não permite que fiquemos demasiado nostálgicos. Há alguns anos, pressionado pelo comportamento de colegas saudosistas, me prometi que pararia se eventualmente sentisse vontade insistente de me referir ao tempo ido como "o meu tempo", porque nunca aceitei a ideia de me dissociar do tempo presente e trotar disfarçando que estava vivo. Não enquanto pudesse seguir fazendo escolhas.
Tudo bem, não podemos parar a roda implacável da vida, mas não dá para ignorar que, apesar das evidentes conquistas da modernidade, subtraíram-nos outras tantas que, se pudéssemos, como lamentou Fernando Pessoa, ter trazido o passado guardado no bolso da algibeira, seria uma maravilha. Muitas dessas perdas se dissiparam na distância que esmaga a memória e constrói o esquecimento. Como a lembrança arquivada pode ser falsa, a única maneira segura de acompanharmos a mudança é ter uma referência factual que permita comparações.
Se tivesse que elencar, a primeira grande perda seria a falta do medo, que é, para quem viveu em outra era, a maior mutiladora da nossa atual tão comprometida qualidade de vida.
Assistindo à instalação de câmeras que reforçarão a segurança já garantida por muros altos, cercas elétricas e cães de guarda, foi inevitável lembrar da época em que esses cuidados não faziam o menor sentido. Não tínhamos medo de nada e, por não ter, nem podíamos imaginar que, no futuro, oferecer segurança seria uma profissão ascendente e lucrativa.
Completado o curso ginasial em Vacaria (era assim que se chamava), tinha chegado a hora de desbravar o mundo, e o primeiro passo era a prova de suficiência para o Colégio Rosário em Porto Alegre. A expedição pioneira colocou dois adolescentes num ônibus que entrou na cidade pela Farrapos, inesquecível por ter sido a primeira avenida engarrafada das nossas vidas. Era um fim de tarde, encontramos um hotel a duas quadras da Rodoviária e nos instalamos. O pernoite custava 650, mas não tenho a menor ideia de qual era a moeda da ocasião.
No dia seguinte, meu parceiro de aventura, de uma família mais pobre, comentou que a diária estava muito cara e que a duas quadras dali havia um hotelzinho simpático, por apenas 180 daquela tal moeda. Bagagem a tiracolo, lá fomos nós, para as três noites, pagas adiantado, enquanto ocupávamos os dias em provas de avaliação no colégio. Na minha inocência de adolescente interiorano, demorei anos para entender por que as pessoas gemiam tanto naquele hotel. Atualmente, é temerário passar naquela quadra ao meio-dia mas, há 50 anos, fomos hóspedes frajolas de um prostíbulo e não sofremos nenhuma ameaça.
Vendo retrospectivamente, para que aquela estadia fosse perfeita bastaria que já soubéssemos, naquela época, que se podia gemer por outras razões que não fosse dor.