Alguns morrem fazendo planos, como se até a conclusão dos compromissos assumidos, a demissão deste mundo pudesse ser protelada. Outros se amarguram por acreditarem que foram menos correspondidos no amor do que fizeram por merecer, e reclamam da mais amarga das solidões: a que não tem depois. Ainda há os que antecipam o epílogo mergulhando em depressão profunda, que é a mais perfeita imitação da morte, e os que falam sem parar como se fosse possível reaver os discursos protelados e as declarações de amor negligenciadas por falta de motivação ou oportunidade. São frequentes os que repetem à exaustão as maravilhas que fizeram, como se ninguém percebesse o desespero de alardear o encanto do que poderiam ter sido e não foram.
A variedade de tipos e reações torna o convívio com o paciente terminal um grande desafio para a sensibilidade do médico que descobriu que a sua missão não termina com o diagnóstico da incurabilidade, e se deixa encantar pelas inesgotáveis lições de grandeza, mesquinhez, generosidade, altivez e hipocrisia. Essa salada que chamamos humanismo.
Os pacientes autenticados pela proximidade da morte, despojados de toda a futilidade que só prospera nas relações sociais entre pessoas saudáveis, são os melhores mestres na seleção dos sentimentos que realmente valem a pena resgatar no inventário final. O Osvaldo nunca aceitou respostas evasivas e explicações pela metade. Quando soube que um melanoma que operara havia quatro anos recidivara, desapareceu por duas semanas e, então, voltou para o que chamou de organização de encerramento. Falava do tempo de vida com a objetividade de um empresário bem-sucedido, que lamentava morrer aos 63 anos, mas se não era mais evitável, achava que não fazia sentido choramingar.
Um dia, já bem próximo do fim, entrei no quarto dele e surpreendi a fortaleza soluçando. Antes que lhe perguntasse qualquer coisa, ele explicou: “Acabei de falar com meu irmão mais moço e, nem acredito, consegui lhe pedir perdão. Não passou um dia da minha vida sem que eu tenha pensado nisso, porque a nossa discórdia não fazia sentido. Foi uma bobagem, eu não podia ter dito que nossa mãe ia morrer por causa dele. Ninguém provoca câncer nos outros. Ele não sabe que estou morrendo, mas graças a Deus me ouviu e acabamos chorando juntos. Descarreguei um peso. Era hora de consertar o passado para poupar o presente. Ah, e não faça esta cara Dr., porque eu sei que não tenho futuro, mas ele terá. Sei também que não precisávamos ter sofrido tanto, pois este tempo de silêncio já dura 34 anos”.
Não sei que cara terei feito, mas não disse nada. Não ajudaria ele saber o quanto me pareceu injusto que não houvesse mais tempo depois do perdão. As pessoas afeitas a gestos de tamanha grandeza deviam merecer uma prorrogação.