Mais uma vez o público pagante se vê diante de uma das tapeações preferidas da política brasileira: o candidato que desiste de algo que nunca teve – e, em casos de exagero, como o último da série, volta atrás logo depois e desiste da desistência. O cidadão descobre, aí, quanto tempo perdeu acompanhando o noticiário político e essas mesas redondas com professores da USP que vão ao ar depois do horário nobre.
É o caso de uma das mais badaladas candidaturas inexistentes da atual política brasileira – a do governador João Doria, de São Paulo. Doria só existe na política brasileira porque grudou, de corpo e alma, na candidatura de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Era, então, o “Bolsodoria”, o bolsonarista número 1 do Brasil – e unicamente por conta disso foi eleito, raspando, para governador de São Paulo.
Achou, então, que a força era dele, não do padrinho, e já se colocou como presidente da República em 2022; para isso, rompeu com Bolsonaro, a quem devia a sua eleição, e saiu se apresentando como o futuro presidente do Brasil, na qualidade de grande nome da oposição de “centro”.
Naturalmente, depois da batalha perdida, aparecem os generais com as mais detalhadas explicações sobre a derrota
Morreu nesse momento, exatamente, e nunca mais conseguiu ressuscitar como um candidato de verdade. A campanha de Doria, já a partir do primeiro dia, foi tão falsa quanto uma garrafa de uísque paraguaio. No fim, ele acabou com o que tinha no começo: nada.
Desde o começo dessa história, na verdade, quem olha para a política brasileira com um mínimo de realismo tem dito e repetido que só há dois candidatos de verdade nas eleições de 2022: o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula. Inventaram, porém, uma “terceira via” – nem um nem outro, mas um nome de “equilíbrio”, “civilizado”.
O lamentável desempenho da campanha de Doria, que até agora não conseguiu mais do que 1% das intenções de voto, aparentemente não ensinou nada – continuam a falar na “terceira via”, como se uma coisa dessas fosse possível. O nome mais comentado, ainda, é o do ex-juiz Sergio Moro, que não consegue reunir púbico nem para palestras a portas fechadas, não somou apoio político nenhum desde que lançou a sua candidatura e agora mudou de partido e disse que não é mais candidato "neste momento". Fala-se, agora, do ex-governador Eduardo Leite. É um bom candidato para aparecer muito na imprensa e ficar em terceiro.
Naturalmente, depois da batalha perdida, aparecem os generais com as mais detalhadas explicações sobre a derrota. Doria, por exemplo, teria se enterrado porque não entendeu nada do que estava acontecendo a seu redor: imaginou que ia tornar-se muito popular em todo o Brasil com a sua máscara preta “fashion” e o seu comitê de cientistas da Covid, dizendo “fique em casa”, mandando a polícia proibir as pessoas de trabalhar e fazendo umas dancinhas incompreensíveis.
Foi uma calamidade com perda total, claro, e lhe rendeu aquele sinistro 1%, mas a questão não é a campanha morre-não-morre de Doria. A questão é que o Brasil rachou em dois campos em 2018, e a partir daí ficou cada vez mais rachado.