Participei esta semana de um churrasco com criminologistas, pessoas que estudam o crime. Foi um debate multinacional. O anfitrião e mediador foi o José Vicente Tavares, sociólogo com sólida carreira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em conflitos. Entre os conferencistas que ele recebeu estavam Keith Hayward, doutor inglês que leciona Criminologia na Universidade de Copenhague e autor de 14 livros sobre o tema. Outro debatedor foi Salah Khaled Jr, doutor em Ciências Criminais e professor de Direito Penal e Criminologia na Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
O principal assunto foi o avanço de tecnologias contra o crime, mundo afora. Uma das mais polêmicas é o reconhecimento facial. Suspeitos são identificados por meio de imagens (fotográficas ou em vídeo), que processam algoritmos com base no formato do rosto, largura do nariz, distância entre os olhos e demais características biométricas.
Reconhecimento facial está presente em aeroportos no mundo inteiro. Eu já sabia que a técnica é rotineira na China, Rússia, EUA e Europa. Mas fiquei surpreso ao saber que está presente, com alguns projetos, em todos os Estados brasileiros. São pelo menos 195 programas, no Brasil, que usam essa tecnologia em segurança pública, segundo a pesquisa Panóptico do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Em São Paulo foi assinado em agosto o contrato Smart Sampa, que prevê instalação de 20 mil câmeras de segurança aptas a fazer reconhecimento facial, até o final de 2024.
O grande problema é que essa tecnologia erra, com frequência. Dois exemplos recentes: no Rio de Janeiro, durante uma operação policial no Estádio do Maracanã em 2019, de 11 pessoas detidas a partir do uso da tecnologia, sete foram identificados erroneamente pela máquina (63% dos casos). Já em 2021, um pedreiro residente no Piauí foi confundido com um fraudador de cartões de crédito do Distrito Federal e levado preso para outro Estado, sem maiores explicações. O homem ficou detido por três dias, até a polícia constatar o erro.
Existe até um movimento internacional para o banimento da identificação facial, comentou Hayward. São campanhas como o Reclaim Your Face (Europa), No Nos Vean la Cara (México), Com Mi Cara No (Argentina) e Tire Meu Rosto da Sua Mira (no Brasil). Ainda não muito numerosas, mas barulhentas. Uma das constatações desses grupos é que os equívocos no reconhecimento facial atingem mais pretos e pobres.
Minha opinião é que talvez banir o reconhecimento facial seja muito drástico, mas é preciso encarar essa técnica com cuidado. Não pode ser utilizada de forma isolada para reprimir alguém. O professor José Vicente Tavares salienta que o uso de câmeras corporais por parte de policiais, outra tecnologia moderna, é o tipo de inovação que ajuda a evitar erros, protegendo agentes da lei e cidadãos em geral. Está presente em 10 Estados brasileiros e a tendência é que chegue a todos, em breve.