O inimigo do meu inimigo é meu amigo, diz um antigo provérbio - bota antigo nisso, teria sido escrito em sânscrito (na Índia), no século 4 a.C. Foi um dito que valeu muito na Segunda Guerra Mundial, quando os comunistas russos e os anticomunistas norte-americanos se uniram para derrotar o pesadelo nazista. Vale para hoje. No caso do Brasil, menos com armas, mais com a diplomacia da barganha de recursos minerais, commodities agrícolas e jogos na balança comercial.
Tome-se como exemplo a nova Estratégia Nacional de Defesa, documento que norteia os planos militares de longo prazo e que foi objeto de extensa reportagem em GaúchaZH do último fim de semana. As Forças Armadas traçam cenários sobre aliados e adversários em potencial, sem citar nomes, como é de bom tom na diplomacia. Óbvio que, discretamente, as cabeças pensantes militares revelam quem é quem nesse tabuleiro geopolítico. E nada como o passar das décadas para mostrar a transição dos alvos.
No século 20, os militares brasileiros enxergavam os argentinos como seu adversário principal – disputavam no campo da produção agrícola, da exportação de carnes e em questiúnculas territoriais. No início do atual milênio, isso cedeu lugar à troca de experiências e exercícios conjuntos entre as Forças Armadas. Gigante pela própria natureza, o Brasil assumiu a liderança geopolítica sul-americana, engajando-se em sucessivas e bem-sucedidas missões de paz em países terceiro-mundistas.
Ajuda aos países africanos e centro-americanos, aliás, era a tônica sob os governos Lula e Dilma. Bem de acordo com os discursos hostis aos EUA do partido-base desses governantes. A Venezuela era aliada e admirada. Alianças foram forjadas com Índia, África do Sul e até Ucrânia (Base de Foguetes de Alcântara, quem lembra?). Tudo isso sofreu uma reviravolta após o impeachment de Dilma.
O governo – e os militares, por tabela – se reaproximou da órbita norte-americana. Quase não se fala mais em parcerias terceiro-mundistas. A Venezuela virou o adversário preferido nos ensaios de um possível conflito sul-americano. E a China? Embora para os civis do governo seja o vilão da hora, para os militares, nem tanto. Eles estão cientes do poderio chinês, seja por armas ou, mais apropriadamente, por pressão comercial: é o maior parceiro agrícola do Brasil e está enraizado nas comunicações telefônicas. O novo campo de batalha é tecnológico e os chineses não abrem mão de disputar a licitação do celular 5G. Chineses como adversários? Só no gabinete presidencial brasileiro e adjacências. Os fardados lembram bem que, no início da pandemia, EUA e China se uniram na negociação de respiradores hospitalares, deixando hospitais brasileiros na mão. Ou seja, nada de copiar inimizades dos outros. A ideia é conseguir a melhor parceria para o interesse brasileiro do momento, tenha ela cabelo loiro ou olhos puxados.