Foi numa residência em Atibaia (SP) que um dos homens mais ligados ao clã Bolsonaro, o ex-PM Fabrício Queiroz, acabou preso pela Polícia Civil paulista na madrugada desta quinta-feira (18). Coincidência – ou não - o imóvel pertence ao advogado Frederick Wassef. Ele defende o senador Flávio Bolsonaro (um dos filhos do presidente) justamente no caso em que o parlamentar está denunciado por usar Queiroz na arrecadação de dinheiro de servidores de seu gabinete, quando era deputado estadual. Wassef também é advogado de acusação no caso em que o presidente foi vítima de uma facada.
O curioso é que Wassef declarou a vários órgãos de imprensa, inclusive à Rádio Gaúcha, que não sabia do paradeiro de Queiroz. Falou isso em 2019, quando estourou o escândalo da rachadinha (partilhamento de salário dos servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro quando este era deputado). E repetiu em 2020.
Conforme empregados da casa de Wassef, o advogado mentiu. Ouvido pelo delegado Nico Gonçalves, responsável pela prisão de Queiroz, o caseiro da residência de Wassef em Atibaia disse que o ex-PM morava ali há mais de um ano.
Queiroz não era foragido da Justiça quando o advogado mentiu sobre seu paradeiro, mas já era procurado para depoimentos. A Polícia Civil afirma que o ex-PM e sua esposa eram procurados para prestar depoimento desde janeiro de 2019, quando ele teve alta do hospital do hospital onde se operou de câncer, em São Paulo. Ele acabou prestando informações ao Ministério Público-RJ por escrito, sem comparecer pessoalmente, em março daquele ano. Desde então foi procurado para novos depoimentos, sem ser localizado.
Eu e a colega Adriana Irion ouvimos três juristas a respeito da participação de Wassef nesse caso. Dois artigos do Código Penal punem quem ajudar criminosos: o 248, favorecimento pessoal (auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade policial o autor de crime) e o 249, favorecimento real (prestar a criminoso auxílio destinado a tornar seguro o proveito de crime). Os dois delitos são passíveis de detenção, de no máximo seis meses.
Acontece que talvez Wassef não soubesse que Queiroz teve decretada a prisão, até porque o caso está em segredo. Estaria livre, então, de punições? Penais, talvez não responda. Mas ele vai responder perante do código de ética dos advogados, acreditam os juristas ouvidos pela coluna.
André Callegari, advogado com clientes na Operação Lava-Jato, acredita que o favorecimento pode se caracterizar mesmo quando não existe ordem de prisão.
— Se o agente der abrigo em sua casa a um procurado pela polícia, ainda não julgado e condenado, pode estar sujeito à pena por favorecimento. Desde que se aguarde a condenação do favorecido.
Lucio de Constantino, outro advogado que atua na Lava-Jato, preside a 3 Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (seção RS) e afirma que, em tese, o advogado que esconde alguém procurado pela polícia (com prisão decretada ou não) está sujeito a julgamento ético. Sendo ou não o procurado seu cliente:
— Não conheço o fato específico, mas sei que um advogado pode recomendar a um suspeito de crime que não fale, mas não pode esconder esse suspeito. Eticamente isso é muito controverso.
Um procurador da República, que prefere opinar no anonimato, concorda.
— No caso em questão, o sujeito procurado pela polícia se escondeu na casa de um advogado, não foi apenas orientado a fugir. Complicado para o advogado — resume.
A punição ética pode ir até a exclusão do advogado dos quadros da OAB, se o caso for considerado grave.